Nas tensões cotidianas, quando o viver insiste em seguir (apesar de você pandemia!), recebo quatro retratos de obras de pavimentação asfáltica nas ruas centrais de minha querida Serra Branca-PB. Além do próprio Prefeito e meu amigo Souzinha, o Prof. Zezito me enviou essas imagens que me encheram de curiosidade, que impacto terá aquele asfalto na vida dos cidadãos, meus coirmãos serra-branquenses?
Algumas semanas depois, me deu uma curiosidade danada em ver aquela obra pronta, esperei ansioso por mais fotos, vídeos, o que fosse, depoimentos de como aquele novo piso foi recepcionado pela cidade. Seria algo de bom ou de ruim? Eis o dilema. Até que meu amigo Zezito me convida para andar por aquelas ruas e eu, claro, aceito o desafio. Até porque flanar, como diria o cronista João do Rio, é a distinção de perambular com inteligência, é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Nesse caso, observar as ruas, essas rugas abertas nos rostos das cidades, entre construções, esses seres possuidores de vida, de alma, de encantos. Pensei no “Rabo da Gata”, no largo da Matriz, no Beco do Sete, nos arredores do mercado, onde a feira funciona; nos Pereiros até o trevo. O que poderia ter mudado?
Parti para Serra Branca à tarde, acompanhado de minha máquina fotográfica, meu bloco de anotações, meu espírito aventureiro e minhas reflexões. Fui devagar curtindo cada momento, observando nuances e minúcias da rodovia, daquela geografia simbólica que tanto me apraz. Já dentro dos Cariris Velhos, lembrei de uma célebre definição feita pelo amigo poeta Hildeberto Barbosa Filho: “O Cariri é o dentro do dentro, cujas fronteiras mágicas se medem pela horizontalidade da solidão, pelos lajedos silenciosos à beira das estradas, pelos marmeleiros, xique-xiques e mandacarus orando em súplicas para o vazio do céu e pelos pequeninos povoados com gosto de deserto e ar de sagração”, é nessa aura poética que sou tomado pelo coração e me deixo sempre encantar.
O sol se alaranjava quando cheguei a São João do Cariri e não me furtei em alguns minutos observar aquela cidade-monumento, fui até a Matriz, voltei pela sede do Instituto Histórico e Geographico do Cariry, fotografei a pintura prontinha. Viva a Vila Real! Desci aquele outeiro, passei devagar pela ponte do Taperoá, onde um uivo de vento espalhava poeira pelas pedras. Pouco antes da entrada de Serra Branca, tomei à direita rumo ao Sítio Bento de Várzea Nova, território ancestral dos Pequeno, onde meu amigo Professor Zezito (José Pequeno) me esperava em seu rancho, a Capela do Pai, um sonho acalentado por seu avô que ele fez questão de realizar, construir uma capela, onde agregou o aconchegante rancho que me recebeu. O luar do Cariri não tem igual, naquele céu aberto brilhavam Pedro Nunes, Manelito Dantas, Balduíno Lélis e tantos outros que defenderam essas terras dos abusos dos homens. Um vento gélido que ninguém sabe de onde vem, faz ressoar o canto dos tetéus, arrepiando nossas reflexões.
Nas primeiras horas da manhã, somos acordados pelo chilrear das aves, da varanda vejo periquito-da-caatinga, concriz, sabiá-laranjeira, papa-sebo, cancão, rolinhas de vários tipos, casaca-de-couro bem-te-vi e muitas outras espécies em uma verdadeira morada dos pássaros, refúgio para onde vão se alimentar todas as manhãs e tardes, generosidade do amigo Zezito.
De manhã cedo, fomos para a zona urbana, queria vê-la acordar e acabei me deparando com o trabalho executado nas ruas principais. É inegável a mudança na estética da cidade. O asfalto deu imponência, um interessante aspecto de limpeza. Fui pela Rua Dep. Álvaro Gaudêncio até chegar no largo da Matriz, segui em frente passando pelos Pereiros até o trevo de saída para Sumé, fiz a volta e fui observando cada rua. O caminho também foi feito à tardinha e pelo que notei, crianças e adolescentes com patinetes e patins se divertiam nas ruas mais afastadas, algo impossível na rua calçada por paralelos. Vi uma legião de homens e mulheres caminhando, mais que o habitual. Notei o espaço da feira mais organizado, o trânsito mais disciplinado, um contorno na entrada tem sido respeitado pelos motoristas, cada um esperando sua vez. Em uma conversa nos arredores do mercado ouvi duas falas interessantes, um homem disse que só andava na cidade a pé, mas que agora ia desfilar com o carro no fim de semana. Outro falou em Serra Branca estar moderna. Meu amigo Zezito disse lembrar de quando as ruas eram de terra e a diferença no momento em que se calçou com pedras. Dias quentes, noites frias, até onde o asfalto vai interferir na temperatura?
Percebe-se que a recepção do asfalto foi como um símbolo de modernidade, trazendo alguns hábitos novos e um senso de maior autoestima a uma parte da população. Mudança de conceitos, de estética, de comportamento, sensibilidades possíveis a partir de um olhar, do flanar, perambular sempre buscando histórias.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 2 de outubro de 2021.
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