NÃO SOU DO TEMPO ANTIGO, mas fui criado de certa maneira, e herdei uma série de valores de outros tempos, sobretudo no que se refere à vida amorosa. As namoradinhas que tive na infância não conta, nem sabíamos o que estávamos fazendo. Uma prima era minha paixão e não cansávamos de repetir que iríamos nos casar quando fossemos “grande”. Menino tímido, discreto, mas que não se furtava em se apaixonar por determinadas professorinhas, verdadeiros anjos que Deus colocava em nossas vidas. A tal paixão, se resumia na plena admiração por aquele mister tão somente, coisas da infância e pré-adolescência.
Aos treze anos, tive a primeira aventura em um show de clube, era época junina e Campina vivia mais um período de intenso movimento festivo. Minha casa estava repleta de parentes de outras cidades. O evento ocorreu na casa de shows ‘o Vale do Jatobá’, pertencente ao saudoso empresário Antônio Jatobá, de quem eu viria a ser amigo anos depois. A banda de forró romântico Magníficos esbanjava sucesso naquela época e era atração concorrida em qualquer festa. Naquele dia, ao lado de primos mais velhos, dei algumas voltas no salão tentando conseguir uma parceira de dança. Eles dançavam e minha timidez diminuía as minhas chances. Daquele dia, só dancei com algumas primas.
Um mês depois, em uma gincana escolar, ganhei medalha de ouro no tênis de mesa, o que me fez ficar na quadra da escola até o fim do evento, que terminou com uma festinha. Discreto, observava o movimento. Vi como alguns colegas de classe chamavam as garotas para dançar. Um a um tomavam o salão e eu ficando cada vez mais sem ter com quem conversar, até que Rodrigo, o último, chamou uma colega da sala vizinha e foi descendo os poucos degraus da arquibancada que circundava a quadra. Eu, ansioso a esperar alguém voltar, sem sucesso. Foi aí que Rodrigo, ao chegar ao último degrau, olha para trás e com ar de riso diz: – Thomas, vem, vai dançar com ninguém não? Queridas e queridos leitores, era bem melhor que ele tivesse me batido! Um buraco no chão não havia para esconder a minha vergonha. Meu rosto, meus lábios queimaram como brasa e a única reação foi um breve sorriso e um sussurro: – Vou agora, não ia te deixar sozinho. Tive a ideia de ir ao banheiro, matava um pouquinho do tempo e na volta dizia ter dançado. Para não mentir, fiz uns dois passinhos sozinhos, como a celebrar a música que passava. Dancei ué?
Saí contornando o “dance”, como a evitar ver mais algum amigo. Mas toda vez que mirava a vista na multidão, aparecia uma meia dúzia deles. Cheguei ao banheiro, um colega saía, se gabando por ter dado um beijo na parceira de dança. Saiu sorridente e com ar altivo, entendi muito bem aquela provocação. Na pia lavei o rosto, olhei para o espelho e tirei um tubinho de perfume que me acompanhava há algum tempo, um Azarro. Passei um pouco atrás das orelhas, no pescoço e nas mãos. Ia voltar para aquela porção de arquibancada, mas estufei o peito, passei a mão arrumando os cabelos, dei duas espiadas e vi uma menina um pouco menor que eu, cabelos longos e cacheados, olhos verdes. Não era a mais linda da festa, mas ela irradiou uma beleza que me atraiu. – Vamos dançar? A sua resposta foi estirar os dois braços em cada lado do meu pescoço e começar a bailar. Era costume dançar pegando uma das mãos e a outra na cintura, eu nunca tinha dançado daquele jeito...
Ela nada disse, eu fiquei querendo puxar algum assunto, falar meu nome, saber o seu, que turma estuda, até que virei meu rosto para o lado direito, a mudar o encontro dos pescoços. Naquela virada, ela me surpreendeu com um beijo que durou o resto da música. De olhos fechados, senti o mundo girar em meus pés. Nem sabia mais se estava dançando ou não, a intensidade do momento me fez flutuar. Até que ela descolou os lábios dos meus e disse: – Que beijo bom! E me puxou pela mão para conhecer suas amigas que estavam atrás de uma das traves da quadra. Ficamos abraçados. Seu nome era Jenifer (não encontrei ela no Tinder!). Ali eu já pensava em namorar sério, ir à sua casa, conhecer seus pais e nos amarmos. No fim da festa, seu Pai foi buscá-la. Encabulado, apertei sua mão. Ela me deu um beijinho e eu fui pegar meu ônibus felicíssimo da vida.
Isso foi em uma manhã/tarde de sábado. No domingo, até uns poeminhas arrisquei em um caderninho. Esperava chegar a segunda para que eu pudesse ir até o bloco que ela estudava e matar aquela saudade palpitante que adolescente tem. Cheguei à porta da oitava série e perguntei por ela, uma amiga disse estar na rampa de acesso com algumas amigas. No jardim, peguei uma pequena flor amarela, bem miudinha, mas repleta de carinho. Quando a vi, o coração que esbravejava faltou rasgar o peito em emoção. Dei a flor e um abraço que foi muito mal correspondido. Fui ao encontro do seu beijo, ela pôs a mão em minha boca e disse: – Oxe menino, foi só um fica! E eu com tantos planos... Preciso falar da decepção? Claro que não. Foi aí que descobri da pior maneira o que era “ficar”.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 2 de abril de 2022.
Ai, Ai, Ai!
Quem nunca teve uma "primeira vez", uns, menos tímidos, tem a primeira vez, como um evento do cotidiano, outros, mais acanhados, vivem este momento como se fosse a primeira vez que o homem pisou na lua.
Assim é a vida!