Ao amigo Antônio Jeferson Palmeira
O CURIMATAÚ EM FESTA. As maiores cidades da singela região estavam prontas para as folias de momo, e vem aquela discussão se o carnaval é uma das quatro festas do ano ou não. Para os foliões, aquilo pouco importa e os grupos se organizam em cordões, blocos e troças, um magote de meninos, meninas ou uma mistura de amigos que se pintam, veste roupa semelhante e impunha muitas vezes o estandarte com o nome da agremiação. Os Encarnados eram jovens meninos de short jeans, sem camisa e todos pintados de urucum, logo quando chegavam ao salão do Clube eram chamados de endiabrados. Tinha Os Cangaceiros, As Cocotas (só com moças da cidade), Papangus, Os Potiguara (índios com penas pintadas), Os solteiros (rapazes com bermuda social e suspensório), Os maricas (com várias folhas coladas às roupas), isso para os mais jovens. Quem tinha um pouco mais de idade, curtia a festa de fim de noite, os tradicionais bailes. Não se sabia quem mais bebia ou consumia lança-perfume, nem mesmo quem era mais animado. Uma certeza é que aqueles quatro dias eram por demais intensos e divertidos, parece que não havia mais nada no mundo! Depois era “Maria, Carnaval e Cinzas”.
Agora havia um pessoal que era chamado de ‘A Turma do Jipe’, eram cinco moços que usavam qualquer coisa como fantasia desfilando em um Jipe por todo o município. No sábado de carnaval, saiam cedo, davam um jeito de se encontrar. Dois deles não eram casados, esses saiam primeiro e ficavam na esquina da rodoviária. Mariva, o dono do carro, dava qualquer jeito da esposa acreditar que ele tinha que sair por volta das seis para ir à fazenda. Já a esposa de Jeferson, o comprometia. Foi ele levantar e ela, ainda com sono, pedir para comprar o pão e pensou com seus botões: “na volta eu já terei levantado e arrumo coisa para ele fazer, inclusive comprar um mocotó para tomar um caldinho no almoço e irmos ver as troças na Praça Coronel Furtado (que também se chamava de Praça das Flores)”. Prevendo as artimanhas da esposa, ele sai com uma camiseta por baixo, chapéu e a carteira cheia, sinal de que não iria voltar tão cedo.
Na mercearia de Seu Biléu, Nado, Gilson e Chico já esperavam. Tinham comido pão com graxa de carne e tomado um copo de café. No encontro de muitos abraços, as duas ancoretas são cheias de cachaça brejeira e Jeferson pede vinte pães francês em um saco de pano, é quando Biléu refuta: “Com pão meu filho?”, todos caem na gargalhada. A radiola preparada, um disco de Claudionor Germano e o frevo começa a “comer no centro”. Sacos com confete, serpentina e muita araruta já estavam no banco e o passeio começa. Após rodar pelos sítios fazendo algazarra, o Jipe vai descendo a serra e toma estrada, para o estranhamento da turma. Mariva tinha uma surpresa.
No pingo do meio dia, a ‘Turma do Jipe’ chega à Veneza brasileira, Mariva tinha garantido um camarote no desfile do Galo da Madrugada. Jeferson, um dos mais animados da trupe, liderou a brincadeira e esses paraibanos curtiram o bloco e depois ainda subiram as ladeiras de Olinda. Os cinco andavam de braços dados ou apoiados nos ombros e nisso se enganchavam o tempo todo na multidão. As marchinhas, os goles de cachaça, o mela-mela, tudo o que se tinha direito. Enquanto isso, lá na cidadezinha deles, um eco se espalhou: “Onde está a Turma do Jipe?”, e cada testemunha que afirmava ter visto em Biléu, na Praça, no Bar de Raimundo Soldado, até no leito do Rio Japi, mas nada do desfile. As esposas de Jeferson e Mariva se encontram na Praça, sorriem. “Vamos lá pra calçada de Estelita esperar por aqueles presepes, o que será que aprontaram hoje...”. A noite cai e nada deles.
Seis da manhã e a turma é acordada por uma troça de frevo na Praça da Sé, em Olinda. Eles se olham e não acreditam que ainda estavam lá. Ué, se é para curtir, vamos lá. Reabastecem as ancoretas, os confetes, os adereços e Jeferson ainda bebe e dança com uma bela baiana, que passou a noite junto a suas amigas naquela curtição. Recife e Olinda não param, a ressaca é sempre curada com a aura pulsante do carnaval. O dia segue e às três da tarde Chico grita: “Turma do Jipe, bora subir a Serra que tem o baile no clube à noite, hoje não é domingo?” E os foliões se despedem. O namorador Jeferson ganhou da baiana uma peruca rastafári e colares com miçangas, aquele adereço chamou muito a atenção. Na volta, já chegando ao povoado de Telha, os meninos param no Bar de Tia Corina, famosa por vender todo tipo de caça e pegam um tatupeba cru e penduram em um galho comprido. Na entrada da cidade, eles compram fogos afim de anunciar a chegada. Desfilam por várias ruas e na Praça das Flores, isso já perto das nove da noite, entram triunfalmente no Clube com o tatu pendurado, para a algazarra total. O Rei Momo olha para peruca de Jeferson e diz: “Eita, essa aí não é mais a turma do Jipe, minha gente, esses são os ‘Novos Baianos’ e trazem todo o axé de Salvador!
A curtição foi total. A história dos ‘Novos Baianos’ tomou conta da região e no início do dia seguinte, Jeferson volta pra casa fumando um cigarro, com um pacote de pão todo amarrotado e sujo, e diz: “Olha amor, o pão que você pediu...”
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 26 de fevereiro de 2022.
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