Sinceramente, não achava que as coisas poderiam piorar, mas aqui estamos um ano depois do estouro dessa pandemia com números alarmantes, três mil mortos ao dia no país, cem mil infecções em 24h. Só em nossa amada Parahyba, neste mês de março, perto de mil deixaram nosso convívio. As redes sociais se tornaram um grande obituário e a dor dilacerante tomou conta de vez de nosso corpo e de nossa mente, um estado lamentável de coisas em que as medidas que deveriam ser tomadas nunca são. Mas porque estamos assustados? A gripe espanhola dos começos do século passado nos mostrou que a “segunda leva” da doença, com suas variantes e sentimento de normalidade da população foi mais severa, matando mais pessoas. Ah, não nos ensinou.
Numa dessas tardes, buscando enganar a tristeza pela partida de mais um amigo, como um lenitivo, fiquei revendo fotografias, lembrando de coisas e encontro o registro de uma viagem que fiz à capital João Pessoa. Uma agradável manhã de sábado, havia chovido na noite anterior, tornando o início da manhã deveras ameno. No Ponto de Cem Réis os transeuntes se livravam das poças d’água aos pulos, algumas senhoras portavam sombrinhas. Em minha mente, o café expresso da Livraria e a espera de queridos amigos escritores para os quais o Luiz se torna uma Meca matutina de sábado. Antes, claro, tinha que comprar um exemplar deste prestigioso jornal na Banca de Régis, abrigado na banda oriental da marquise do antigo Parahyba Palace. Com simpatia me saúda: – Tudo bom Professor? Já vi seu texto hoje viu? Como vai Campina Grande?”. E assim iniciávamos bons diálogos. E pensar que jamais vou ter a oportunidade de conversar com ele novamente...
Era início de setembro do ano passado quando o amigo escritor Aroaldo Maia me deu a triste notícia e Paulinho Emmanuel me confirmou. Mais uma alma levada pela enxurrada de mortes para um mar de tristeza. Lamentei muito, procurei saber com Ricardo da Livraria do Luiz e com outras pessoas informações do velho Régis, mas pouco consegui. Com seus setenta e poucos anos, Régis morava sozinho na Rua da República e fazia o percurso até o Ponto de Cem Réis a pé. Já trôpego pelo fardo dos anos vividos, nas proximidades da Praça da Pedra foi atropelado por um motoqueiro. Acudido por populares, foi internado no hospital de emergência e trauma ficando quase um mês internado esperando uma prótese para uma fratura que teve em uma das pernas. Em meio ao fantasma da pandemia, o desespero da população e as recomendações de isolamento, principalmente para o grupo de risco, a informação do internamento não chegou como deveria aos amigos, muitos gostariam de tê-lo ajudado, mas sequer sabiam do acidente.
Sem familiares, sozinho em um leito de um movimentado hospital, sem a prioridade necessária e cuidados também, alguém que inspirasse força, energia e fé; no alto de sua idade foi definhando, não se sabe se contraiu a covid-19, até Deus vir libertá-lo para os céus.
Seu Régis estava no Ponto de Cem Réis há quase sessenta anos. Com sua banquinha, recebia muito bem os clientes e sua generosidade era tamanha que colava os jornais abertos na parede para que os leitores que não podiam comprar ao menos pudessem ler alguma matéria. Simpático e extremamente simples, gostava de comentar futebol e política. Dedicação imensa na venda de jornais e revistas, um verdadeiro Patrimônio Histórico do Ponto de Cem Réis e do Centro Histórico de João Pessoa. Espirituosíssimo, quando perguntado se estava tudo bem, respondia: – Se melhorar, estraga! Ao passar de carro na Visconde de Pelotas, virei meu rosto e aquela ausência bateu fundo, tá faltando ele! Que Deus dê o céu ao amigo Régis.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 27 de março de 2021.
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