Foi n’um dia de Santo Antônio que o caso foi elucidado.
Certa vez, um advogado, conhecido intelectual da cidade, foi trabalhar e se encabulou com o que viu. Costumeiramente chegava ao seu escritório, lá na Rua da Estação, dava bom dia a secretária na antessala – ela já havia deixado tudo asseado e com aquele cheirinho de pinho – e ia para seu escritório. Sentava na confortável poltrona e logo pegava os jornais já dispostos em seu bureau, lia as manchetes. O primeiro era sempre o Diário da Borborema, onde não só lia os destaques como o artigo de Stênio Lopes, amigo por quem tinha muita estima. Depois era a vez do A União, O Norte, Gazeta do Sertão, e só perto da hora do almoço recebia o Diário de Pernambuco, Folha de São Paulo e o A Tarde. Tu gasta demais, p’ra quê tanto jornal? Questionava sem sucesso sua esposa.
Ocupava uns vinte minutos nessa breve leitura. Solitário (não gostava que ninguém o incomodasse), dobrava os jornais, dava um giro na poltrona, observava todo o escritório, via aqueles tons e contrastes que os móveis em cerejeira davam na presença dos livros e seus objetos, espiava sua máquina de escrever; respirava fundo em agradecimento por mais um dia. Aquele ritual o fazia muito bem. Hora de tomar um cafezinho... Mas o quê? Onde está meu Santo Antônio? Levantou depressa, subiu a pequena escada, remexeu os livros... não encontrando a imagem, puxou um pouco uma das estantes. Teria caído atrás? Não. Logo foi perguntar a Dorinha: – Alguém entrou aqui? Cadê meu Santo Antônio? – Entrou não doutor, tenho certeza.
Mesmo contrariado, prosseguiu com sua rotina matinal. Atravessou a rua, caminhou pela pracinha até a Confeitaria. Ali encontrava seus pares do Gabinete de Leitura, além de jornalistas, advogados, profissionais liberais, etc., tomava café e batia um bom papo. Seu melhor amigo, um dos maiores tribunos da cidade, o questiona: – Estás inquieto confrade, o que se sucede? Ele puxa o amigo para um canto (temendo galhofas!) pinça com os dedos a ponta do bigode enrolando-o, ao mesmo tempo em que segura o nó da gravata; estica um pouco o pescoço, balançando-o e diz: Perdi meu Santo Antônio! – Como é rapaz? – É sério. Logo ele, presente da minha avó quando ficou viúva. Depois que pus no escritório, em menos de um ano casei com Mariinha... era todo em madeira maciça, olhinho de vidro que chega alumiava. Rapaz, tinha muito ciúme dele! Espera... Pegou um guardanapo e improvisou o poema: Roubaram meu Santo Antônio/ Sorte que eu me casei/ Quem já viu, que safadeza/ Afanar um santo, pensei./ Quem o levou desesperado/ Deve estar triste, abandonado/ Uma prece na certa farei!
Os dias se passaram e nada do santo aparecer. Pensou em comprar um para o lugar, mas supersticioso pensou: só ponho outro santo ali se ganhar, comprando não terei a mesma bênção. Um dia conversou com Dorinha, chegou a desconfiar de sua funcionária. Tente lembrar Dorinha, o que você fez antes de minha chegada naquele dia? – Fiz nadinha, só fui à calçada da Praça receber seus jornais, o entregador parou a bicicleta e foi fazer as entregas, antecipei e fui buscar. Mas ora, tantos anos trabalhando para mim, tão dedicada, claro que não foi ela, pensou ele. – Você tem namorado Dorinha? – Tenho sim senhor, dois anos de noivado. Juntando tudo dá três.
Certo dia, uma moça para na calçada, abandona uma caixa de sapatos e corre. Dorinha se levanta rapidamente. – Moça, essa caixa não é sua? Cabelos castanhos, reluzentes, de vestido rodado, corria tanto que os calcanhares batiam na bunda. Curiosa, Dorinha pega a caixa, vai até seu bureau e abre. Nossa! Doutor, Doutor, venha ver. Dentro da caixa o Santo Antônio roubado e um bilhete datilografado que dizia: Doutor me desculpe, roubei seu Santo Antônio, mas ia devolver como agora estou a fazer. Ele passou poucas semanas no quarto da bagunça, atrás de uma cadeira velha de balanço. Pobrezinho ficou oculto de ponta cabeça. Fiz uma oração e hoje estou noiva! Me caso semana que vem. Na promessa eu tinha que devolver nesse dia, minha graça foi alcançada. Amém! O doutor conferiu a imagem, os olhos reluziam, reparou a cocuruta arranhada, – e não é que ele ficou de cabeça para baixo mesmo... Sorriu, pôs o santo em seu devido lugar e guardou o bilhete: Se alguém duvidar, vou ter como provar.
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