A REDAÇÃO DE UM JORNAL, sobretudo um jornal impresso, sempre me cativou. Ainda na infância, via em fotos ou na TV redações de emissoras e lembro de uma revista (ou era um jornal?) que continha um quadro chamado ‘direto da redação’ com um retrato de jornalistas em atividade, a fumaça de cigarro no ar e o telefone com fio em espiral sendo utilizado por alguém sentado em um birô. Aquele ambiente me dizia muita coisa e não sabia o porquê de meu encantamento.
A primeira vez que visitei esse espaço sagrado da criação e revelação do cotidiano da cidade, foi quando, entre a criança e a adolescência, acompanhei meu Pai Paulo Roberto, para entregar um texto de sua lavra que não pretendia que fosse publicado, mas sim provocar um colunista em seu assunto principal: o futebol. O jornalista em questão é o saudoso Humberto de Campos, da rádio e jornal Diário da Borborema, ambos pertencentes ao consagrado ‘Diários Associados’ que hoje, em Campina Grande-PB, só conta com a TV Borborema pois o jornal adormeceu em 2012 e a rádio virou apenas uma concessão pública e quem adquiriu não teve sequer o respeito em manter o nome da rádio que tanto sucesso fez no país durante décadas.
Humberto de Campos foi um famoso jornalista do mundo futebolístico parahybano e sempre frequentou a relojoaria do meu inesquecível Tio Nezinho. Entre um conserto e outro, Nezinho recebia muitas visitas e o ambiente era um palco onde se desfilava e discutia todo e qualquer assunto, inclusive o futebol. N’um certo dia, chego lá na relojoaria (defronte ao cartório dos Cunha Lima) junto a Papai e lá encontramos Humberto. Óculos dependurado na ponta do nariz próximo a um bigode grisalho, camisa de botão com mangas curtas, alguns bilhetes de loteria, papéis e uma caneta povoando o bolso do lado do coração. Comentava com Nezinho a perspectiva do clássico dos maiorais que se avizinhava. Alguns instantes de conversa, Papai diz: “Treze e campinense deveriam se unir em um só time, trocar com o governo do estado o Amigão no estádio Presidente Vargas e o César Ribeiro e formar algo como o Parahyba F. C. Alguns se posicionaram a favor, outros contra. Humberto disse: “me mande isso por escrito”, foi o que meu Pai fez.
Dias depois, em uma folha de papel pautado e com caligrafia caprichada, Papai escreve a missiva. Vamos juntos ao Edifício Rique direto para a redação. Nos corredores, lembro de ter visto Evilásio Junqueira que apresentava o programa ‘A Hora do Povo’ e fui a cada passo de menino me encantando com tudo aquilo. Na redação, a formalidade, máquinas de escrever (manuais e elétricas), máquina xerox e algo que deveria ser um computador. “É para Humberto de Campos”, disse Papai. Um homem pega o envelope e responde: “Ele não está, mas pode deixar”. Dois dias depois estava lá na coluna “Jogo duro” o título “ideia de maluco!”. Ali Humberto publicou na íntegra o texto e no fim ainda afirmou que “poderia ser uma boa ideia para enfrentar os desmandos de João Pessoa” (se referia a Federação Paraibana de Futebol). O tema, Papai também levou para o ‘Debate na Caturité’ (Rádio Caturité AM) em uma segunda-feira à noite, programa de rádio prestigiadíssimo liderado por Carlos Siqueira e Roberto Hugo, jamais esqueço daquele estúdio que iria frequentar depois como jornalista.
Em maio de 2005 comecei a escrever uma coluna de opinião no Diário da Borborema. Semanalmente ia até a redação à procura de Betânia Nobre ou de Carlos Araújo e levava o disquete com o texto. Ali já era computador para todo lado, aquelas telas em 14” e um tubo de imagem gigante. Muitas vezes esperava algum momento livre para entregar meu disquete enquanto o som mais ouvido era a conexão de uma rede discada. Aqueles discos flexíveis sempre davam problema, de modo que o momento em que iam ser colocados no computador era uma eternidade, orações eram feitas para que nada fosse perdido, enfim. Certa vez, entreguei o disquete a Betânia, responsável pelo primeiro caderno. Ela abre e o texto está normal até a metade, o restante é composto de asteriscos e outros símbolos dando ideia de um problema. Estando próximo da hora do fechamento do caderno, perguntei se eu poderia tentar escrever o restante rapidamente e que tudo ficasse no tamanho correto de caracteres. Com toda sua gentileza, ela se levanta com o cuidado em observar se a chefe de redação estava por perto. Sentei na cadeira e a quentura de uma tarde inteira de trabalho dela incendiou meus pensamentos. Ali tentei buscar uma nesga de concentração e consegui compor os três parágrafos, graças a minha memória fotográfica e o que eu lembrava do texto em meu computador.
Hoje, boa parte é via internet, temos prazos, horários, mas tudo bem diferente do que já foi. Quando leio meu amigo Gonzaga Rodrigues comentando como era uma redação em décadas passadas, fico com aquela curiosidade quando redação era redação mesmo! Inclusive nas saídas para o café, a interação que não existe da mesma maneira e o distanciamento muito diferente de outrora.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 27 de janeiro de 2023 com o título 'Redação e jornal'.
“A caneta povoando o bolso” é frase que só artistas se dão ao trabalho de cunhar.
O impacto causado pela atmosfera de um ambiente é uma perna. Suas dinâmicas, um braço. Muitas pessoas preocupam-se, precipitadamente, apenas com rosto e cabelos. Todas as partes do “corpo” são fundamentais. Olhar clínico é tudo.