DESDE QUE MEU PAI, seu Paulo Roberto Oliveira, abriu uma assistência técnica em conserto de eletrodomésticos, lá nos idos de 1996, que sou ativo frequentador e caminhante da Avenida Presidente Getúlio Vargas no Centro de Campina Grande, onde inicialmente partilhava os turnos entre estudo no Colégio Alfredo Dantas e o trabalho como office boy e depois com “a mão na massa” no conserto de ventiladores e toda sorte de aparelhos elétricos, aprendendo o mister com os funcionários mais experientes.
Num certo período de carnaval, quando Papai e eu passamos na rua a caminho de casa, nos deparamos com a demolição de um prédio antigo, bonito, de linhas arquitetônicas robustas e marcantes; “como podem destruir um prédio tão bonito” balbuciou Papai e eu, em meus 13 ou 14 anos, vendo aquela gigantesca máquina destruindo tudo, fui tomado pelo incômodo da revolta. O prédio era a Sociedade Beneficente dos Artistas, fundada em 1929 e oriunda da antiga União Beneficente dos Sapateiros, sociedade filantrópica que oferecia cursos para pessoas de baixo poder aquisitivo. Naquele momento nem pensava em vestibular, quanto mais em ser historiador e jornalista, mas hoje vejo que aquela sensibilidade pueril foi o fio condutor para me guiar até aqui.
A antiga Avenida Brandão Cavalcanti, hoje Pres. Getúlio Vargas, possui um nicho patrimonial interessante, resistiram ao tempo a sede dos Correios, o tradicional Ferro d’Engomar (e seus boêmios!), a antiga Faculdade de Administração, o Memorial Severino Cabral, a antiga fábrica Marques de Almeida (o casarão foi demolido!), o acesso às Boninas, o antigo Colégio Pio XI e o castelinho onde funciona a clínica Dr. Maia, só para citar o trecho entre a Praça da Bandeira e a esquina com a rua Siqueira Campos.
E eis que caminhando na mesma avenida, há alguns anos, vi o abandono seguido de demolição da casa do exportador de algodão Alvino Pimentel, residência onde se hospedou Juscelino Kubistchek. Lembro que o amigo Prof. Daniel Duarte esteve à frente de uma verdadeira campanha para evitar a demolição desse prédio histórico, mas o poder da especulação imobiliária venceu; é a “força da grana que ergue e destrói coisas belas” como bem afirmou Caetano Veloso. Neste caso, um grande empreendimento residencial e comercial está sendo erigido, modificando todo aquele ambiente; na descomunal escavação para fundações sequer foi permitida a averiguação de possível existência de vestígios arqueológicos que podia muito nos contar sobre o passado de nossa terra.
Tempos depois, ao caminhar pela Getúlio Vargas, senti falta de um prédio, o Cine Avenida. No seu lugar, tapumes altos, mas suficientes para perceber que ele não mais estava ali. Foi aí que conversando com um operário descobri que como se não fosse suficiente o tamanho da destruição da casa de Alvino Pimentel, o empreendimento causou sério comprometimento da estrutura do prédio vizinho, justamente o Cine Avenida, cinema inaugurado em 17 de março de 1945 em estilo Art Déco e que estava funcionando a sede da igreja evangélica universal. O Cine é patrimônio sentimental da cidade e mantinha seus traços arquitetônicos. Por fotografias existentes no blog Retalhos Históricos de Campina Grande se percebia que o interior contava com poucas modificações. O fato de não estar dentro da delimitação do Centro Histórico da cidade dificultou a sua preservação e com o abalo causado pelo empreendimento, o Avenida foi adquirido e anexado ao projeto imobiliário.
A nossa Rainha da Borborema não sabe mesmo conviver com “seus diversos passados”, essa ânsia pelo futuro e pelo novo me assusta, assim como o desrespeito a sua história. Perdemos o Cine Avenida e a sensação que fica é em forma de pergunta: qual será o próximo a tombar? Será a construção eclética de seu Gregório defronte a Feirinha de Frutas (vizinho ao antigo Posto de Enfermagem do saudoso Manoel Barbosa) já que o da família Agra foi demolido por uma rede de farmácias ou o antigo Departamento de Transporte, Oficina e Garagem (DTOG) às margens do Açude Velho? Essa reflexão sobre a destruição do patrimônio histórico me acompanha há anos, é uma chaga que não se fecha, demolição em cima de demolição.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 22 de abril de 2023.
Uma verdadeira viagem professor Thomas, as lembranças são janelas abertas que ora, nos encantam, ora nos entristecem, mas sempre nos inspiram. Parabéns! Obrigada!
Isso mesmo Professor Thomas!
Até nisso, a nossa geração foi contemplada; hoje em dia é uma honra sentir saudades.
Triste é um povo que não tem história, não tem cultura, não tem saudades. Como é saudável ter saudades!
Obrigado pela viagem em sua crônica.
Só uma ressalva: aquela foto do DTOG tem ao fundo a Estação Velha, e não a Estação Nova como está no enunciado descritivo da foto.
Parabéns pela crônica.