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TURISMO & HISTÓRIA

Notas para um jornalismo literário e histórico

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Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

Um olhar no horizonte

Atualizado: 28 de jul. de 2022


Ao centro as palmeiras em cruz do Cemitério do Monte Santo, à esquerda os coqueiros e o Araxá, à direita o alto da Bela Vista todo construído.

CAIR DE TARDE REPLETO de beleza, os cenários da cidade encobertos por generosidade dos céus. Uma nesguinha de chuva, um sereno arrepiante, um despertar de sensações. Quero ver mais além, os relevos, os contornos do açude, aquela marca geográfica, uma paisagem que é minha – será que veem como a vejo? Talvez, por que não? Se uma câmera estivesse ligada por todos esses anos, seria possível ver o que está aboletado em minha mente. E a cidade muda, se espraia, ocupa espaços outrora verdes, troca casinhas por caixões que abrigam mais gente, concreta, confina, espreme.


Detalhe da Bela Vista e Pedregal - Ana Madruga (esquerda) no RHCG

Passei um vasto tempo, muitos minutos, talvez horas, e não dei conta de viver novamente aqueles lugares que se mostraram para mim nas primeiras horas da manhã, quando a timidez do sol só quis alaranjar o céu e no fim da tarde, quando se vestia de névoa para passar os umbrais do dia, deixando-se abraçar pela noite de lua. No pavimento sobrado de minha casa, sobressai a varanda, distante do solo, de quem está ao chão. Ali, mais perto dos fios, das nuvens, do céu, me é possível enxergar o futuro com os olhos do passado e entender o que já passou com o olhar do presente. E a incansável chaminé da fábrica de papel sopra para muito alto uma fumaça branca. As vezes assanhada lembrando uma antiga maria-fumaça, n’outras vezes bem quieta e vertical, parecendo o incenso de erva-doce e arruda que acendo e me faz refletir no quarto. Perfume, beleza e os pensamentos energizados e fluidos que se perdem naquele esfumaçar.


Desviando de telhados e árvores, é possível ver o Açude de Bodocongó, suas águas mansas espelham suas margens, a frieza parece tê-las paralisado. Um barquinho de pescador risca a superfície, mas seu rastro logo se desfaz. Chove na Serra da Catirina, onde pulsam as nascentes do riacho que toma corpo. Esse ano, a sangria do açude quase sobe a ponte, e uma cachoeira se inicia com o início do canal que completou vinte e dois anos. Antes um riacho indomável, um matagal guardava as margens, mata ciliar indesejada e temida pelos moradores das cercanias. Duas passagens, uma aqui no início e outra que dava acesso ao Conjunto Severino Cabral. Caminho de veículos, rota de ônibus, no mais, um bolsão despretensioso de mata, fonte de ervas e também de lenha, vez ou outra. Não posso olvidar que os esgotos eram despejados no córrego e nos períodos mais secos, onde se via pouca água, populares o denominavam de “riacho podre”.


Veio um prefeito novo, o desenvolvimento, máquinas derrotaram as brenhas e transformaram quilômetros de chão, disciplinando o riacho (os esgotos e águas pluviais) em um largo canal. Duas pistas pavimentadas, calçadas largas com pistas encarnadas, espaço para ciclistas (talvez a primeira experiência na cidade, hoje deveras comum) e canteiros, um em cada calçada, com brotos das espécimes mais genuínas de nossa flora, todas devidamente identificadas com seu nome popular e científico. Desviava algumas vezes o caminho da escola até minha casa pelo canal para ver as mudas vingarem e decorar seus nomes. Lembro da caesalpina e da tabebuia, que até hoje sua beleza me encanta, o ipê.


O Açude de Bodocongó, a caixa d'água lá em cima e a sangria do açude no Canal de Bodocongó - Imagens: Santo da Terra

Lá em cima da serra, uma imensa caixa d’água da Cagepa parecia o lugar mais alto e longe de se chegar, a alcancei depois de muitos anos, quando fui participar de um projeto no Parque Tecnológico da Paraíba. Ao leste, quando nasce o sol, um par de coqueiros no alto do Jeremias e as palmeiras formando uma cruz no alto do Monte Santo são as imagens mais marcantes. Mais sol e luz permite ver o imbricado de casas entremeadas naquelas escarpas, telhadinhos que parece uma colagem, uma pintura em tela. Mais para cá o Monte Santo e o alto da Bela Vista derramando ruas para os lados, à noite os faróis dos carros denunciam aquela verdadeira montanha russa. Prédios e mais prédios foram ali erigidos, penso que do alto deles a vista ainda é mais bela tanto para o vale do Bodocongó quanto para o centro, os confins da cidade até o Mirante, que é outro bairro que proporciona uma magnífica vista dos quadrantes geográficos que se sobressaltam para o leste, vestido de mata no sentido de Massaranduba, além da Serra de Bodopitá erguida ao sul cacheada de pedras com a Pedra de Santo Antônio sendo marco culminante na paisagem.


A chaminé da fábrica de papel nas margens do Açude, à esquerda a UEPB

A Bela Vista toda construída, o Pedregal abaixo, a linha do trem e o apito que nos despertava duas vezes ao dia. No limite do olhar está a caixa d’água da Embrapa, seu formato circular faz com que sua tampa pareça um chapeuzinho. Via a caixa todos os dias, morei no Centenário (antiga Casa de Pedra) que tinha no alto aquela construção. Hoje ela lá está, alva com um pouco de lodo, marca do tempo que me traz as lembranças da infância. Poder se ver, observar os arredores, viajar no tempo. Impressões que afagam a alma.


Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!


Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 23 de julho de 2022.

230 visualizações1 comentário

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1 Comment


Marcelo Reul
Marcelo Reul
Aug 04, 2022

Amigo Professor Thomas, só quem viveu nesta cidade maravilhosa nos anos 80, sabe o que significa cada palavra de suas crônicas!

Obrigado pela viagem ao passado!

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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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