JÁ DIZIA CRISTINO PIMENTEL que mudar o nome de uma rua é o mesmo que mudar um destino. E o que dizer de pretender mudar a nomenclatura de um anel viário completo composto por nove rodovias estaduais interligando-as a uma rodovia federal? Pois foi exatamente isso que propôs o deputado estadual paraibano Michel Henrique no autógrafo nº192/2023 cujo projeto de lei tem o nº34/2023 e tinha a intenção de denominar de ‘Deputado João Henrique de Souza’ a malha viária “Anel do Cariri”, que interliga os municípios de Monteiro, Zabelê, São Sebastião do Umbuzeiro, São João do Tigre, Camalaú, Congo, Caraúbas, São Domingos do Cariri, Cabaceiras, Boqueirão e Queimadas. Nada de anormal para as casas legislativas que se fartam em denominar ruas e logradouros públicos, o grande problema, neste caso, é que a obra ‘Anel Viário do Cariri Paraibano’ foi batizada ainda em 2012 pela mesma assembleia com o nome do saudoso José Marcolino Alves, o nacionalmente conhecido poeta José Marcolino. Interessante é observar que o projeto aprovado despreza totalmente a existência de uma denominação para aquele conjunto de rodovias, apenas a tratando como ‘Anel do Cariri’, evidenciando um grande desprezo a memória do poeta e ao projeto lei nº9.747 do Deputado Assis Quintans’
De maneira alguma tenho a pretensão em desonrar a memória do ex-deputado nem as benfeitorias que fez por todo o estado, principalmente no seu reduto político, o Cariri, mas acredito que há muitas possibilidades de homenageá-lo e o autor do projeto (filho do João Henrique) não terá dificuldade alguma de assim o fazer em outra ocasião. A assembleia legislativa aprovou o projeto três dias antes do tão festejado dia de São João, o que soou como ironia para músicos, cantadores e apreciadores da cultura nordestina.
Quem nunca dançou ‘Numa sala de rebôco’, ‘Pedido a São João’ ou ‘Cacimba Nova’, talvez não saiba que essas são só algumas composições em parceria que o poeta caririzeiro fez com Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, em seus 57 anos de vida. Nascido em terras de São Tomé, viu sua cidade crescer, virar Sumé. A Serra do Sucurú foi sua visão, as cores, sons e cheiros do povo a sua inspiração, amalgamado na alma e cultura nordestina.
De origem humilde criou e viveu seu mundo de música, cantadores e menestréis; as terras e estradas do Cariri lhe são fiéis e não vão mudar assim de nome, como de destino. Morreu jovem, num sábado triste em setembro de 1987, um grande acidente lhe vitimou gravemente, uma vaca que atravessou seu caminho no vizinho Pajeú pernambucano. Há dezoito anos conheci uma de suas irmãs, Dona Jacinta Marcolino, moradora do município de Prata nos Cariris Velhos. Das histórias que me contou, sempre exaltou a simplicidade e a sensibilidade do poeta em tudo ver e transformar em poesia.
No dia 04 de julho, por sensibilidade, atenção e respeito à nossa cultura, o Senhor Governador João Azevedo corrigiu o erro que seria cometido vetando totalmente o projeto lei pelo simples motivo da obra já ter outra denominação. Na sequência defendeu que qualquer lei que seja revogada deverá ser expressa no projeto lei, o que não foi. Além disso, o Departamento de Estradas e Rodagens – DER “instado a se manifestar, pugnou veto ao projeto de lei”.
Estive nos Cariris Velhos, meu Mundo-Sertão e ouvindo as rádios da região, deu para perceber a recusa de boa parte da imprensa e da população a mudança do nome, já que o Poeta Zé Marcolino é patrimônio cultural, histórico e sentimental do povo caririzeiro.
Aqui os versos incríveis de Ivanildo Vila Nova e Ton Oliveira. Deixo vocês com a primeira estrofe:
Seu ofício era a arte de cantar
Catedrático nas aulas da natura
Cinturinha de abelha era a cintura
Das morenas nas noites de luar
Afiou-se na pedra de amolar
Mas a pedra da morte é afiada
Ficou o barro batido da latada
Sem as marcas dos pés do dançarino
Uma vaca matou Zé Marcolino
E eu não dava José numa boiada.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 15 de julho de 2023.
Verdade!
Mudar o nome de um logradouro ou local público qualquer, de uma homenagem pessoal, para o de outra pessoa, é no mínimo desrespeitoso a memória, a cultura e aos familiares e ao povo daquele local.
Mas, graças a Deus, ainda existem pessoas comprometidas com o respeito ás leis e a cultura popular.
Obrigado governador João Azevedo!