POR TODO O PAÍS estão sendo organizados eventos que aludem ao patrimônio histórico nesta semana que abrigou o dia dezessete de agosto, data natalícia do escritor, jornalista e advogado Rodrigo Melo Franco de Andrade, personalidade marcante na criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, hoje IPHAN (Instituto). Mas a semana é mesmo de comemoração? Acho mais apropriado pontuarmos como semana de reflexão, já que cotidianamente vemos o patrimônio histórico e cultural na maioria das cidades brasileiras sendo mutilado, vandalizado, profanado e pouca (ou nenhuma) política pública no sentido de salvaguardar o que nos une enquanto sociedade, um bem que é comum a você, a mim, a todos nós.
Estarrecido fiquei, apesar de ter “cantado a pedra”, quando o jornalista Hiran Barbosa publicou em suas redes sociais no último dia 23 de julho a demolição de parte do que foi o Departamento de Transportes, Oficina e Garagem, o DTOG, às margens do Açude Velho em Campina Grande. Hoje pertencente a uma construtora. Desde setembro de 2011 que eu já alertava sobre a sua demolição, só não sabia que de lá para cá muita coisa ia ruir antes: o belíssimo prédio na antiga Rua do Emboca, em frente a Feirinha de Frutas; parte da fachada e prédio do ‘Casino’ (como se escrevia a época) Eldorado; uma boa porção do antigo Cirne Center II; só para mencionar como exemplo.
O modus operandi é o mesmo de sempre: a ‘mutilação irreversível’ consiste em deixar uma porta ou janela aberta ou sem qualquer segurança para que saqueadores invadam e retirem tudo que tiver de valor, de madeiramento à fiação. Como consequência, o prédio passa a ser refúgio para gatunos e consumidores de entorpecentes e, como pontuei na época: “gerando o álibi ideal para jogar a opinião pública contra aquele lugar agora indesejável para a urbe por causar insegurança. Abandonado, teve seu grande portão de entrada levado e invasões “sistemáticas”, desfiguram o interior até que tudo venha a baixo e a culpa recai sobre “vândalos”. Lembrando que está no entorno do sítio histórico do Açude Velho, onde nada pode ser demolido!”. Um portão com aquelas dimensões foi vendido para um ferro velho, que, aliás, tem aceitado todo tipo de material, um estímulo ao roubo de tampas de bueiro et cetera., mas essa é outra discussão. Detalhe: o serviço ocorre geralmente em fins de sábado ou em feriados como o de carnaval.
Pois bem, a fachada em Art Déco do DTOG ainda está lá, isso porque, assim como construção em estilo eclético em frente a Feirinha de Frutas (e muitas outras), a demolição vem por dentro, igual a ‘fogo de monturo’ como dizemos nos Cariris Velhos. Aquela fachada que testemunhou a história da cidade hoje esconde escombros que sepultam momentos sensíveis da cidade, como a época em que funcionou a Usina de Força e Luz, denominada de ‘Serviços Elétricos Municipais’ responsável pela energia elétrica de Campina Grande, após ter dado espaço, no centro da cidade, a Praça Clementino Procópio.
Descrevi o DTOG como um órgão responsável por suprir a prefeitura municipal de tudo que ela precisasse, quase um centro administrativo, tamanha era a quantidade de funcionários. Ali agregou a Garagem com tratores, caçambas, caterpillas e semoventes, continha bombas de combustível e lava-rápido; Oficina com suporte para veículos de passeio e carros pesados, reunindo grandes mecânicos da cidade (um dos chefes da mecânica de máquinas pesadas era o pai do amigo Moisés Alves, o sr. Arlindo Alves, outro que nos descreveu aquele cotidiano foi o mecânico Pelezinho), se brinca até hoje que na época áurea, até avião se consertava lá; Almoxarifado central, concentrando e distribuindo material para todas as secretarias; Serraria e Serralharia onde se fazia manutenção em todos os móveis, do escolar ao de escritório; Departamento pessoal da secretaria de obras, concentrando a equipe de garis e pessoal de manutenção, jardinagem, etc. Em 1980 a gestão do Prefeito Enivaldo Ribeiro compra equipamentos a exemplo de uma máquina linotipo fabricada pela ‘Mergenthaler Linotype Company’ (no Brooklyn em Nova Iorque), e cria a Gráfica Municipal, ficando a Prefeitura independente de serviços gráficos; confeccionando formulários, fichas, cartões, capas e materiais diversos para toda a administração.
Já pensou esse imóvel abrigando um centro cultural com um museu da prefeitura? Nele exibidos vários ofícios e serviços da municipalidade com suas tecnologias, móveis e artigos de várias épocas inclusive as máquinas da antiga gráfica? Que ao que me consta, ainda existem. É um sonho, mais um, que se esvai em mais uma ruína.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 19 de agosto de 2023.
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