ERA NOVE DA MANHÃ da última sexta-feira quando parti da quente Recife em um Boeing 737 para o Rio de Janeiro. Estava em família e prestes a realizar um velho sonho do meu pai. Seu Paulo Roberto, nos tempos de Marinha, morou cinco anos na Cidade Maravilhosa e desde muito tempo que nutria o sonho de que conhecêssemos com ele as belezas do Rio. E não é que chegou a hora? Vi mais uma vez o mundo do alto, a pequena janela do avião mostrava o quanto somos miúdos perante um mundão que se descortinava entre nuvens. Por volta do meio-dia, prestes a posar no Galeão, passamos por uma pequena turbulência, mas que alvoroçou muitos passageiros. Alguma corrente de ar veio mais forte por entre as colinas escarpadas do Rio, causando a instabilidade. Já no chão, só se ouvia sorrisos e palavras de alívio.
Apesar da primavera, a capital fluminense não parecia em nada com a cidade sangue quente do Brasil, nos dizeres de Fernanda Abreu. Uma frente fria tingiu o céu de tons cinzas e o pico das colinas e morros eram envoltos em uma névoa que despertava sobriedade e reclusão. Mas isso foi até sair do aeroporto Tom Jobim. Já nele, sentimos a quentura. Não os 40ºC da famosa música, mas poderia estar bem próximo. Do taxi, seguimos para o nosso destino, um hotel em Copacabana há duas quadras da praia mais famosa do Rio. No veículo, testemunhei a simpatia do taxista, uma alegria genuína, sem dúvidas, um bom cartão de visitas. Ao mesmo tempo que ouvia suas histórias, inclusive de seus parentes nordestinos, a sua origem; via pela janela com curiosidade os contornos da cidade. Nas vias principais, notei o isolamento delas dos arredores por muros, muretas. Com certa dificuldade vi em algumas frestas, buracos ou mesmo morros que se erguiam, o que se tratava: traduziam a vontade de isolar, de esconder aqueles periféricos de quem saía do aeroporto, uma segregação que ouvi falar nos tempos da Copa e Olimpíadas em 2014 e 16 respectivamente.
Do alto de um viaduto, enxergo o Cristo e seu pleno destaque no horizonte de um lado e o cemitério do Caju do outro, antigo ‘Campo da Misericórdia’ com funcionamento desde 1839. Com tantos elevados, morros, colinas, é interessante observar as saídas urbanísticas que o Rio encontrou para poder se estabelecer. Aterros, túneis, viadutos, pontes e um trânsito frenético, ligeiro, sem tempo para ponderar: “Não dá tempo pensar, é agir e pronto”, disse o taxista Vando, um dos quase 35 mil taxistas do Rio, maior concentração do país, isso sem falar nos carros de aplicativo que tem número cinco vezes maior segundo a Secretaria Municipal de Transportes.
Prédios históricos começam a surgir, até que passamos no aterro do Flamengo e na praia de Botafogo, um conjunto belíssimo com a costa em arco de onde é possível ver o morro da Urca e o Pão de Açúcar, logo abaixo a Praia Vermelha (não é Tim Maia?). Ali é como uma chancela de que realmente estávamos na Cidade Maravilhosa. Seguimos para Copacabana, uma praia de uma beleza estética incrível, favorecida com a mudança do estacionamento que não beija mais o calçadão e sim as fraudas dos prédios, permitindo a contemplação da paisagem. Calçadão com seus tradicionais desenhos sinuosos em pedra portuguesa (que insistiram em retirar das praças de Campina Grande) e pisado por muita gente de um lado a outro. Em um lapso, cantarolei Tom Jobim: “Existem praias tão lindas cheias de luz / Nenhuma tem o encanto que tu possuis”, e naquele momento, como os milagres cariocas em que o tempo muda “e o sol sai” (como dizem os praieiros), o céu se tingiu de azul e o sol derramou sua luz dourada, uma graciosa oferta da natureza à nossa chegada.
Entra rua, sai rua. Copacabana parece ser um bairro sóbrio, ameno em seu âmago, intenso em sua orla.
Saltei do táxi na calçada do hotel Astoria, queríamos curtir o pôr do sol na Urca, mas o tempo decidiu o roteiro por nós. Bagagens nos aposentos, uma chuveirada e pés na rua. Eu queria andar, precisava. Para Balzac, as ruas de Paris dão impressões humanas. Já para o cronista do Rio – o João do Rio – são assim as ruas de todas as cidades, com vidas e destinos iguais aos do homem. O que era Copacabana nos anos de 1800? A cidade só a descobriu muitas décadas depois e hoje cartão postal nacional. Calçadas cobertas por pedras portuguesas, prédios altos, árvores de grande porte e quase todas elas com uma singeleza em seus troncos, entre galhos grossos ou em jarrinhos fixos com arames, orquídeas e lírios plantados, uma belezura daquelas ruas sossegadas. Um caminhante disse ser obra de porteiros dos prédios, sem dúvida alguma, encantador. Nas artérias principais, como a Barata Ribeiro, barzinhos e choperias bem casuais e atraentes, além de cafés aconchegantes.
Almoço agora e mais tarde visita à Lapa do aqueduto da carioca com seus inconfundíveis arcos e os barzinhos temáticos que dizem ser apaixonantes. Hoje é sexta, sem dúvidas uma boa pedida. E Nelson Gonçalves em meu ouvido: “Lapa, ó minha Lapa boêmia / A Lua só vai pra casa depois do Sol raiar”. A semana promete.
Veja também a crônica 'Primeiras impressões da Boa Terra' no link
Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!
Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União com o título 'Impressões do Rio' em 15 de outubro de 2022.
Prezado Professor Thomas!
Nessa (crônica) mais que nunca, você foi muito inspirado para retratar as minucias e detalhes de uma viajem maravilhosa.
Aguardamos novas crônicas com a continuação deste relato, pois sabemos que foram várias visitas a locais históricos.
Obrigado por nos levar em suas viagens.