Campina Grande é uma cidade que não sabe conviver com seu passado, não possuímos as marcas de suas várias historicidades. Falando sobre Nova Iorque, o pensador francês Michel de Certeau afirmou que: “Diferente neste ponto de Roma, Nova Iorque nunca soube a arte de envelhecer curtindo todo o seu passado. Seu presente se inventa, de hora em hora, no ato de lançar o que adquiriu e de desafiar o futuro”. Me parece que, salvo as devidas proporções, a cidade de Campina Grande possui uma característica que é marcante em Nova Iorque, não se sabe conviver com o seu próprio passado! A cidade deve ser vanguarda, ganhar o progresso, parece mesmo desafiar o futuro. Desta forma, a “Capital do Trabalho”, a “Rainha da Borborema” têm seu patrimônio histórico sendo profanado cotidianamente em nome do capital. Em recente música apresentada no aniversário da cidade, uma frase chama bastante atenção: “Campina, onde o novo é tradição”.
No último dia vinte e dois de setembro completou-se dez anos que tivemos a demolição do prédio da antiga fábrica de aguardente Caranguejo, às margens do Açude Velho. Um grande trator de esteira em pouco mais de uma hora levou a baixo praticamente toda a estrutura do prédio. Um mês antes foi a vez da chaminé-bueiro deixar de existir, uma das três existentes naquelas cercanias, testemunhando a primeira etapa de industrialização da cidade. O parque industrial sobreviveu bebendo as águas do Açude Velho e o “ouro-branco” prosperou sendo comercializado no mundo todo, dando o status à Campina Grande de “Liverpool brasileira”, exatamente pela pujança no comercio algodoeiro só superado por esta cidade inglesa.
Às seis da manhã o trator-esteira iniciou o processo de destruição no lado defronte ao Hiper Bompreço, rasgando a face de entrada do prédio, trabalho este que foi paralisado e transferido para a noite por conta do trânsito verificado no horário. Às nove da noite, pontualmente, o processo se desenrolou. Munido de filmadora e máquina fotográfica, estive no lugar para fazer o que me restava, registrar aquela destruição. “Doeu no coração! A imensidão da máquina e a poeira foi a dor nos olhos!!!, me disse a amiga Professora Manuela Aguiar. Muito barulho, muita poeira e um século de história indo ao chão.
Em dez de abril de 2010, numa matéria intitulada “Patrimônio Histórico é Destruído”, assinada por Antônio Ribeiro do Jornal Diário da Borborema, vi a informação de que: “A construtora responsável pelas obras de edificação do empresarial Plaza Shopping e do complexo multi uso, que serão erguidos no terreno onde funcionou a fábrica Caranguejo, em Campina Grande, vai ter que construir uma réplica da chaminé que fora derrubada em agosto passado. De acordo com o promotor de Defesa do Meio Ambiente, José Eulâmpio Duarte, a torre era tombada como patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraiba (Iphaep) e não podia ter sido destruída. Além da réplica da chaminé, a empresa terá ainda que recuperar todos os armazéns do espaço da Estação Velha, como compensação pelo dano causado ao patrimônio histórico e cultural da cidade". Esta ação foi oficializada através de um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC imposto pelo Ministério Público à empresa responsável pelo empreendimento, uma das denúncias foi de minha autoria. No entanto, só a reforma dos galpões foi feita. No lugar, três prédios de alto padrão foram construídos.
O próximo prédio a ser demolido, será o antigo DTOG (Departamento de Transportes, Oficina e Garagem) que abrigou a Gráfica Municipal e outras repartições da Prefeitura Municipal de Campina Grande. O prédio histórico foi leiloado em 2010 pelo poder municipal para a compra do prédio da antiga Mater dei (na Av. Floriano Peixoto) que foi transformado em Hospital da Criança. Outro prédio que poderá deixar de existir é o antigo escritório de representação do governo estadual, que será leiloado. A construtora que adquirir os prédios certamente dará o mesmo triste destino que teve o prédio da Caranguejo. Resta saber o porquê este TAC não ter sido cumprido em sua integralidade. Infelizmente temos um desenfreado processo de destruição, um duro golpe nas marcas do passado de nossa cidade. Era uma vez a Caranguejo! Será o DTOG e Campina: “quem te viu, quem te vê não te conhece mais...” O saudoso Severino Ramos, em música, tinha razão...
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 25 de setembro de 2021.
Eita meu nobre amigo Thomas. Infelizmente, esta é mais uma amarga constatação, um triste registro de um projeto ultrapassado e equivocada à respeito dos tratamentos e conduções dados aos patrimônios históricos arquitetônicos, nas maiorias das cidades brasileiras. Aqui também, na minha cidade, as bocas famintas e cruéis das máquinas devoradoras de patrimônios históricos, , estão sempre abertas para devorarem, cada vez mais. Lamentável. Parabéns pelo texto denúncia e desabafo.
Descreveu bem o que eu digo todos os dias em relação a demolição de casas, paróquia e casarões aqui na cidade. O progresso nunca deveria apagar a história de um povo de uma cidade. Parabéns Bruno pelo seu artigo.
Muito bom, Thomas! Se o prédio, nem a torre restaram, resta, pelo menos, o registro através dos seus escritos. Parabéns pelo trabalho! Denize (AD)