Em 2004 estive pela primeira vez nos limites do município de Serra da Raiz-PB – a lendária Serra da Copaoba – em busca de testemunhos pretéritos, inscrições rupestres que contassem um pouco do cotidiano pretérito de nossos ancestrais nativos. A cidade, o entremeado de serras entre o Curimataú e o Brejo, a suntuosidade da vegetação entre a Caatinga e a Mata Atlântica, encantaram-me. Quinze anos se passaram até que eu pudesse voltar. Como ninguém se perde na volta, como diria José Américo de Almeida, retornei na última segunda-feira. Da BR 104 e depois da PB 105 fui avistando e identificando as Serras do Algodão, da Canastra e a singular Serra da Caxexa desenhando o horizonte. Me inteirei do ambiente, fui reconhecendo uma a uma as pequenas cidades, enquanto elas acordavam. Passei pelo Santuário de Santa Fé (entre Arara e Solânea), onde o conhecido Pe. Ibiapina fez uma das primeiras casas de caridade e ali morreu no séc. XIX. Coincidência ou não, se vivo estivesse faria aniversário nesse dia de Nossa Senhora das Neves (5/Ago).
Chegando a Serra da Raiz, contornei a praça Ininguaçú e aquela imagem bucólica que estava em minha mente materializou-se: a singela igreja de Nosso Senhor do Bonfim, suas três portas e três janelas frontais, as palmeiras imperiais e o casario repleto de contornos neocoloniais, neoclássicos e ecléticos. No antigo hospital, para minha surpresa, funcionara o bem organizado Museu do Homem Serrano, ele não existia quando andei por aqui... Fomos recebidos pelos jovens e competentes Bem-Hur de Oliveira e Felipe Silva, Secretários de Cultura e Comunicação respectivamente. Esqueci de dizer que fui convidado pelo Prof. Juvandi Santos da UEPB que está à frente de um convênio entre Prefeitura e Universidade para o levantamento das potencialidades históricas e culturais da região. A missão do dia era visitar antigos engenhos que compuseram, em um passado não tão distante assim, um dos maiores centros produtores de cachaça e rapadura da Paraíba.
Seguimos literalmente mata a dentro o caminho dos engenhos, mergulhando em um imaginário que transbordava história através da memória de antigos ciclos econômicos que, em toda a região, mobilizaram as forças de Bem-Estar e Riqueza, como diria a amiga economista Zélia Almeida (se referindo a sua amada Areia). O primeiro sítio histórico foi o engenho da Fazenda Lameiro, emblemático por ser o primeiro da região. Contornamos o pequeno açude e chagamos às suas dependências. Paredes grossas ainda de pé testemunham uma antiga senzala. Ao lado, resiste uma prensa e forno para uma produção de farinha há muito abandonada, hoje tomada por caprinos. Do lado de fora, na lateral, uma colunata e base do bueiro mostram onde era exatamente o vetusto engenho. Tudo aquilo tinha a alma de outrora.
No Lameiro, em 1915 nasceu o Pe. Luis Gonzaga de Oliveira, personagem interessante que além de professor era amante do jornalismo, escrevendo por muito tempo para o jornal A Imprensa; foi também destacado membro da Academia Paraibana de Letras. Certa feita, o jovem Luis testemunhou a chegada ao engenho de um bumba-meu-boi que pediu para dançar na bagaceira: “O mestre entrou na sala de espera da casa-grande, com uma espécie de barretina toda enfeitada de espelhos. Aquilo nos encantou os olhos. O velho Basílio despachou-os sem demora”, é que no Lameiro não se adotava aquele folguedo: “a vida somente tinha significação quando era empregada na luta tirana [...] Aqueles vadios que fossem ganhar dinheiro fácil em outras partes”. Trabalho levado a última instância, labuta forjada no suor cativo impresso ainda hoje naquela velha senzala.
Ainda visitamos os antigos engenhos Flores, Boa Vista (inteiramente restaurado), Alegre, Pimenta e Tatu. O Pimenta chamou muito a atenção por estar em uma grota, no meio da mata onde ainda estão de pé velhas paredes em pedra, numa estrutura que não só testemunha a fase dos engenhos como também o ciclo econômico que o sucedeu, o do sisal. Fusos de ferro fundido atestam as bases do motor desfibrilador do agave.
Do antigo engenho Alegre, que conserva parte da estrutura de pé, temos na beira da estrada um mirante natural. Dali se vê a zona urbana de Serra da Raiz bem pequena e os sobressaltos do relevo se fundem distante com os céus, num horizonte insondável que embevece. Com essa visão vejo que faz realmente sentido a significação de Copaoba dada por Irineu Pinto “o que ao longe se estende... o que distante se dilata”.
História, cultura, memória, testemunhos de importantes ciclos econômicos, natureza, tudo isso em um só lugar.
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