Já havia algumas semanas que ele tramava essa viagem que um dia já foi corriqueira. Antes, com uma agenda bem organizada, encontros com amigos e amigas e visitas a lugares que gostava, davam o tom das idas à Rainha da Borborema. Os anos foram passando e subir a Serra se tornou tarefa cada vez mais difícil. O excesso de cuidado da família, sempre afirmando que não havia necessidade da viagem e o cansaço nas juntas, trazido pela idade em avanço, arrefeceu seus ânimos e a cidade em que foi muito feliz em sua juventude, ficava mais longe de seus passos e mais próxima da tela poética que é a pintura de sua vida.
Acordou cedo e pensou: – Vou tomar café na rodoviária para não acordar ninguém, ou então, quem sabe, não merendo em Itabaiana? Assim me aproximo da imagem da várzea do Paraíba, que li muito em Zé Lins... Aquela atitude transgressora de sair praticamente às escondidas, o deixou com o coração a palpitar. Foi à porta e voltou umas três vezes, ralando as mãos nos bolsos para ver se esquecera alguma coisa: – Mais que coisa, eu lá tenho idade para ter esse nervosismo! Carteira, celular, uma caneta e um meio bloco de papel, além dos óculos, no bolso da camisa azul de botão. O primeiro pé na rua foi com uma ânsia incrível, um frio no estômago o fazia olhar para trás umas três vezes, além de ouvir uma voz imaginária o chamando de volta. Na ponta da rua, pegou um carro de aluguel com um velho amigo que conheceu no Ponto de Cem Réis. – Companheiro, por favor, me leve a rodoviária. – Ah, Luiz, vai subir a Serra? – Espero, né? Respondeu.
Descendo para o Varadouro, vê aquele conjunto arquitetônico e lembra de quando chegou à Capital. Como aquilo era imponente e desafiador. – Hoje não me faz mais medo! Balbuciou sozinho. Na rodoviária, tomou uma xícara de café para não ficar com um oco no estômago. Entrou no ônibus, sentou nas primeiras cadeiras, olhou para a o rio Sanhauá e pensou: – Daqui ninguém me tira mais! E tirou. Uma mulher disse ter comprado o bilhete para aquela cadeira. Contrariado, tirou sua passagem e pediu ajuda: – Repare, me diga onde é o meu assento... Era justamente do mesmo lado do motorista, onde não gostava de viajar. Mas foi. Em Itabaiana, desceu do ônibus como nos velhos tempos; na primeira barraca, comeu bolo mole com café e ainda arriscou uma tarisca de queijo de manteiga. Saciado, ansiava chegar à Campina Grande.
Diferente das outras vezes, não combinou com ninguém em Campina. Foi ao primeiro andar da rodoviária, gostava de ver como a cidade crescia, quantos prédios que não existiam... Foi direto para a feira central, a feira grande. O táxi o deixou defronte ao antigo mercado Pexinxa; ele desceu, olhou aquela paisagem, se deixou misturar aos sons, cheiros dos temperos e frutas e ao colorido daquela manhã de sábado. Tomou a rua direita, desceu na esquina e foi em busca da feira de queijo. Foi tomar satisfação a Seu Aluízio que não mandou mais o queijo de Boa Vista que tanto gosta. Quando chega, vê um garoto gordo, bonitão, na primeira barraca, e pergunta: – É aqui seu Aluízio? – É meu senhor, meu pai, morreu há quatro meses. Sentindo o cheiro adocicado daquelas peças de coalho, quis se chegar e conversar, dizer que era amigo do velho Aluízio e que ele religiosamente mandava queijo para João Pessoa. O garoto com uma “pareia” de amigos, não deu muita bola àquele homem de idade. Se aborreceu, saiu da feira com destino a Praça da Bandeira, passa na Feira de Galinhas e vê estarrecido parte da fachada do ‘Casino Eldorado’ no chão. Quantas vezes não foi se divertir lá, quantas memórias. Sobe para o centro, quantos carros, quanto movimento. Na Praça, para no Café Aurora, vê alguns senhores, tenta reconhecer alguém, mas não. Lembrava do pão untado com o molho da carne e do café que costumava tomar ali, hoje um café moderno e chique; – Nada contra! Mas está muito diferente de antes...
A desculpa da viagem já estava montada, tinha ido buscar o queijo Boa Vista, que acabou não comprando, tamanha a decepção. Caminha até a Feirinha de Frutas para comer uma banana-maçã, quando vê um tapume de metal defronte a bela construção, onde morou um antigo compadre. – Vão demolir? – Já demoliram! Responde o feirante. Cabisbaixo, vai a um orelhão, a agenda tem de cor! Não funciona. Então toma o celular em seu bolso, tenta acioná-lo: descarregado. Aborrecido, chateado, pega o primeiro táxi de volta à rodoviária. De nada lembra do retorno, só que ao chegar em casa, pega o livro de Irineu Jóffily (de quem é fã), observa um retrato antigo de Campina na parede e pensa: – Da próxima, hei de ter mais sorte!
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