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TURISMO & HISTÓRIA

Notas para um jornalismo literário e histórico

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Ela tinha que ver o mar

Foto do escritor: Thomas Bruno OliveiraThomas Bruno Oliveira
Copacabana - Wirestok
Copacabana - Wirestok

ELA DESCEU DE SEU PEQUENO apartamento no Rio de Janeiro, em um prédio por trás do Copacabana Palace, exatamente na esquina da Av. Nossa Senhora de Copacabana com a Av. República do Peru onde vive uma vida mansa com seu esposo. Desde a pandemia do Corona vírus que ela não costuma sair direito. Antigamente, todo dia ia caminhar no calçadão, sentir o cheiro de ar puro, olhar para a imensidão do mar. Tomava uma água de coco e voltava para casa. Lá ela saudava o porteiro, subia para seu apartamento e ia direto para a cozinha, isso tudo antes das seis da manhã. O perfume do café despertava seu esposo que vinha se espreguiçando para a cozinha com o rosto inchado de dormir, mas abrindo aquele sorrisão.


– Bom dia meu amor, que cheiro bom de café...


Era o que ele sempre dizia em todas as manhãs e ela respondia com um sorriso carinhoso, fazia uma omelete para ele e assava dois pãezinhos franceses que ela, que tanto adorava, as vezes comia com geleia, as vezes com requeijão. Da mesinha da cozinha dava para ver o mar entre dois prédios altos, eles amavam aquele cotidiano, até se emocionavam muitas vezes com a vidinha que Deus dava a eles. Aos domingos, por muitas vezes, iam ver o mar, mas, apesar da proximidade, tinha dias que ele não conseguia caminhar uma quadra, então ficavam no térreo, na área de lazer, vendo a molecada brincar nos balanços, quadra e nos bancos de areia, isso até a boquinha da noite ou até dar uma vontade de se servir no banheiro, isso se o sanitário coletivo do prédio no térreo estiver ocupado.


Certa vez, ela estava desejosa de ver o mar, em um ocaso de domingo. Ele, mais vivido cerca de dez anos, não gozava daquele ímpeto, mas recomendou que ela fosse se estava desejosa. A última vez em que ela se aventurou foi antes da pandemia, precisamente em fins de 2018 quando ocorreu a queima de fogos, ela voltou correndo assustada com a multidão e não passou vinte minutos. Já agora, sentiu a segurança de que poderia, mesmo depois de seis anos. Ela se arrumou, conferiu o dinheiro na bolsa para beber sua água de coco e seu celular para ver as mensagens, falar com as amigas e com uma filha que há anos mora em Bruxelas. Desce com a alegria de sempre, no ocaso, e estranha o intenso movimento; ela não achava que veria tudo aquilo.


Ela chegou, viu o mar, suspirou lentamente. Fitou o horizonte alaranjado; o sol acabara de se por. Sentada ao lado de uma mesinha em um quiosque, pega um guardanapo, rabisca alguma coisa e guarda no bolso da bermuda. Pouco tempo depois, satisfeita com seu desejo realizado, retornou caminhando.


Estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, na Praia de Copacabana - Tourb
Estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, na Praia de Copacabana - Tourb

Quando aquela senhora ia atravessando a rua, ela foi surpreendida pelo movimento dos carros, ainda bem que nesse fim de tarde tem um monte de frashlet, de faróis acesos, demostrando onde os veículos estão e facilita ver os carros que passam ligeiros...


– Moço, me ajude a atravessar a avenida.

– Sim senhora.


Só que ele não teve noção do quanto ela podia correr, a levou rápido e, no meio da avenida, ela acabou caindo. Ele tentou ajudar, mas ela não conseguiu levantar, magoou o joelho e ele, fazendo pouco caso, a deixou na pista. Ninguém a socorreu. Veio um caminhão com todas aquelas luzes e a atropelou. Quando ele parou, a vida já não estava mais lá. Passou um rapaz na moto e tentou puxar sua bolsa. Sem conseguir, foi embora. Uns pivetes vieram e levaram o seu celular, a carteira e também a parte de sua aposentadoria que tinha recebido no dia anterior (e estava em outro bolso); o que gastara houvera sido para tomar um cafezinho na esquina que alguns senhores tinham como habitué. Estava gostoso... Veio com um copinho de água com gás e um delicioso bolinho de goma; não sabia que seria o último que comeria.


Chegou o serviço do Samu, chamado por uma pessoa de bom coração, mas nem eles conseguiram salvá-la. Oitenta e nove anos não são brincadeira; bem que o porteiro do prédio a alertou que o movimento estava muito grande, que ela não deveria “dar mole”, mas deu. E agora?


E de maneira transcendental ela diz: “Eu estou me olhando na pista, sendo recolhida pelo serviço do instituto médico legal, nem meu companheiro, nem meus filhos que moram do outro lado da cidade e uma em Bruxelas tem noção do que está ocorrendo. Ah, e meu esposo Armando? Ele precisa jantar, quem vai fazer sua papinha de aveia meu Deus? Ele deve estar me esperando...”.


Após o ocorrido, o filho encontra em seu bolso um guardanapo com o seguinte rabisco: “Eu precisava ver o mar, nem que fosse a última coisa de minha vida...”


Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!


Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 11 de janeiro de 2025.

1 comentario


Marcelo Reul
Marcelo Reul
há 5 dias

Estória triste, mas rica em detalhes!

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Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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