QUANDO O SOL CAI, à tardinha, Dona Preta sai de sua residência, sem antes garantir que sua irmã Zefa Miúda já tinha chegado da casa onde trabalhava como empregada (para pastorar seus filhos), a mansão de Zé Alfredo, comerciante de algodão que morava perto de sua fábrica próximo ao Açude Velho. Zefa mangava da irmã porque ela só ia à feira por essas horas, mas vejam só, era justamente o momento de comprar tudo do mais barato e até algumas verduras e legumes iam na bagagem da feira sem nada custar, pois os donos de bancas na feira, vendendo desde as três da manhã, depois do meio-dia já separavam o que ia ser mais barato dali em diante e que, se por mais algumas horas ninguém as adquirisse, ia ofertar aos pombos, galinhas e porcos que circulavam o mercado, entendendo que tudo aquilo era imprestável.
Mas é engraçado, Zefa trabalha para um patrão rico, faz a feira cedo e ainda com outro empregado, bota banca nos tabuleiros e acha que tudo aquilo é dela. “Ah coitada!”, diz a irmã. Por sorte (ou azar!) ela não tem um filho sequer, já sua irmã Dona Preta tinha uma penca de seis meninos e todos eles necessitavam do que se ofertava na feira grande, mesmo sendo tudo aquilo rejeitado por todos. A maioria das noites tinha uma sopa quente e garantia a comida no bucho daqueles meninos. O pai deles inventou de ir para o Rio de Janeiro “ganhar a sorte” (como ele dizia), mas só trouxe azar. Deixou a pobre da companheira na responsabilidade de criar seis meninos e quando partiu para a aventura, ainda deixou a mulher grávida de uma menina. Dona Preta catou papelão, papel, vidro e tudo o que demais aparecia nas ruas para reciclagem, sempre levando para casa algo para comer. É triste ver uma família nessa situação cujo o sustento da própria matéria era a necessidade imediata de cada dia. Quando se tinha três refeições disponíveis para todos, mesmo regradinha na quantidade, já se considerava uma riqueza de todo tamanho, pois foram muitos os dias em que só tiveram a refeição do meio-dia composta basicamente de feijão, bastante caldo (onde se misturava qualquer farinha, até farelo), e uma fruta que se encontrava nos passeios na cidade; uma manga, banana, castanhola, o que fosse.
Embora toda a dificuldade, Dona Preta não pedia esmola nem deixava que seus filhos assim se comportassem. Até que descobriu que em um bairro vizinho um grupo escolar municipal estava garantindo a merenda para aqueles alunos que eram assíduos, ela não sabia o que isso era até entender que eles deveriam estar presentes todos os dias sem faltar. Para a mãe dos seis meninos e a menina que deixou de engatinhar e já estava dando os primeiros e graciosos passos, aquela situação era tudo o que precisava. Tratou de pôr os meninos no grupo e a menina precisava de alguns meses para poder frequentar a creche que ficava por trás da escola. Nos arredores de onde morava espalhou o boato: “Prefeito bom esse viu? Tá dando de comer a meus meninos”.
Nessas condições, Dona Preta passou a lavar roupa de ganho, fazer umas faxinas e alugou uma casinha modesta, já que morava em um barraco construído em papelão e zinco que encontrava nas obras do governo. Em uma certa conversa com a dona da casa, Zefa Miúda disse que estava triste porque sua irmã havia se mudado para longe e explicou todo o caso. Zefa morava em um barraco bem parecido com o da irmã, mas sem filhos e sem marido. Tinha um namorado que todo sábado aparecia para beber e namorar com ela. Foi quando a madame perguntou se Dona Preta não poderia lavar as roupas de cama de sua casa, pois os seus vestidos e os ternos do marido eram higienizados no Recife-PE e, naquela situação, a madame deixava que as irmãs e as crianças morassem em uma das inúmeras casas que tinham na cidade. Ficavam nos aceiros do velho açude, próximo a uma lagoa onde estava uma vila de mais de vinte casas. Essa saída era excelente para as duas irmãs. Só que Zefa a questionou se depois de tanto tempo, não poderia ter uma casinha só para ela. Sua preocupação era o namorico que tinha com Chico Fumaça, que trabalhava na fábrica de chumbo.
“Mais aí você quer demais não é Zefa?”. Ela respondeu: “Ora Dona madame, como é que vou curtir o meu amorzinho todo sábado? Com uma casa cheia de menino não dá de jeito nenhum, nem quero”. A madame exclamou: “Tu és muito enxerida né Zefa, olhe que desse jeito não dá não!”. “Então deixe estar dona madame, faça de conta que nada disse. Não deixo meu xenhenhêm por nada!”. “Apôs vou falar com Dona Preta e além de oferecer a casa, vai lavar para mim, ela é muito mais precisada e vosmecê é enxerida por demais! E assim, Dona Preta criou seus filhos e 3 anos depois seu esposo voltou do Rio enquanto sua irmã, Zefa Miúda sabe o que fez? Se intrigou da irmã e dos sobrinhos por conta do namoro, mas vejam só!
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 27 de abril de 2024.
Zefa só queria saber do xenhenhem
rsrsrsrsrsr
Esta crônica só é ruim porque acaba!
São cenas do cotidiano de muitos anos atrás, ( muito parecido com a vida de minha vó, que talvez tenha sido até vizinha de dona Zefa, pois morava em casebre de taipa as margens do açude velho)hoje temos o bolsa disso, bolsa daquilo, vale isso, vale daquilo,escolas, faculdades, hospitais, creches; hoje está tudo me ais fácil, e a população carente continua sofrendo com a demanda do produto básico.
Onde é que estamos errando?
Eita Zefa enxirida!
E Dona Preta sempre disposta a aproveitar as oportunidades.