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TURISMO & HISTÓRIA

Notas para um jornalismo literário e histórico

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Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

Disquete


Da meia encosta da Serra de Bodopitá, vendo Campina Grande ao fundo (norte)

TEM QUASE VINTE ANOS que eu estava subindo a Serra de Bodopitá, território ermo, despossuído dos apelos do tempo, que serve de limite a alguns municípios daqueles Cariris agrestados: Queimadas, Fagundes, Itatuba e Caturité, onde a Serra é tocada pelas águas do rio Bodocongó que por ali desce o vale até andar de mãos dadas com o Rio Parahyba em direção ao Atlântico. Ia numa vibração medonha, já que conheceria os sítios arqueológicos do Castanho, localizado na zona rural de Queimadas no lugar que dá o nome ao conjunto pré-histórico.


Recordo que na subida rasguei parte da manga de uma camisa tipo polo de cor coloral que tanto gostava, presente de minha mãe. A sede de chegar à encosta e ao cume da Serra era tamanha que não me deixou ver uma touceira de uma planta chamada ‘unha-de-gato’. Em sua genialidade, o arbusto possui pequenas folhas, mas muitas, a ponto de levemente esconder espinhos que são curvados e dispostos em um mesmo galho uns para frente outros para trás, de modo que se encostar nela é ser abraçado pelos espinhos e não raro dá muito trabalho em se livrar de suas garras, é se livrar de uns e ser pego por outros. Arranhões, roupas rasgadas, são sempre a tônica desse encontro.


A cada passo que subíamos, era olhar para trás e ver Campina Grande no horizonte cada vez mais descoberta, uma visão majestosa de toda aquela campina com todas as suas cores. Encantadora! Ali vimos inscrições rupestres em um grande bloco rochoso na encosta da Serra de Bodopitá, isso era por volta das duas da tarde. Caminhando um pouco mais, o celular dá sinal e uma ligação me desperta: um número fixo sem identificação. Pensei em desconsiderar a chamada e continuar minha jornada, mas não o fiz. Ao atender, ouço a voz da jornalista Betânia Nobre do jornal impresso Diário da Borborema:


­– Thomas, veja, o disquete que você deixou aqui mais cedo, o begezinho, não abre. Já fui em várias máquinas e em uma consegui ver que tem um arquivo em word, mas não abre de jeito nenhum. Você pode trazer novamente? Preciso fechar a coluna até três da tarde.


Esses disquetes continuam comigo!

Nessa época, o uso de internet e as ‘nuvens’ não eram massificados como hoje.


– Eita Betânia, estou em cima da Serra de Bodopitá em Queimadas, por um milagre o celular deu sinal, e agora?


Antes da resposta da Betânia, falei:


– Deixa estar, volto agora pra casa, darei um jeito, pode esperar até que horas?

– Nesse caso, seguro até cinco horas. Ele tá no tamanho certinho não está?

– Sim, sim. Vou lá, até daqui a pouco.


A época eu tinha uma coluna semanal de opinião no jornal Diário da Borborema, do grupo Associados e a gentil e meiga Betânia era responsável pelo primeiro caderno.


E como resolver o problema? Pior que na época eu não tinha carro. Vencer os quase 25km até minha casa, salvar novamente e ir ao centro da cidade para entregar no horário não foi fácil. Para minha sorte, eu sempre tinha um disquete novo guardado, comprava aquelas caixinhas com dez. Saquei três disquetes, com cópias em cada um, e fui à redação do jornal. Depois do sufoco, demos boas risadas. Eu ainda tinha folhas de um vegetal chamado ‘amor de gado’ pregadas à calça e ainda exalava um cheiro de mato. Tinha chovido semanas atrás e a caatinga se vestia de verde.


Lembro de ter descido as curvas escadas do Edifício Rique. Na calçada, tímidas luzes nos lembravam que já se passara das cinco e meia. Respirei fundo, aliviado, desci a Rua Venâncio Neiva e fui comer um pastel de carne com caldo de cana na lanchonete de Polion Araújo em tom de comemoração.


Era impressionante como esses disquetes nos davam trabalho. Embaraços eram com eles mesmos! Por um deles em um livro ou agenda, para não ter o perigo de amassar, de nada adiantava. Ao leve movimento já se tornavam imprestáveis. A solução que consegui à época foi uma caixinha de um plástico resistente que cabia dois deles, isso minimizou muito meus problemas, mas eles só acabaram com a chegada do gravador de CD. Ah disquete, já me desse muito trabalho!


A tal caixinha para dois disquetes, ainda a tenho como recordação

Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!


Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 04 de novembro de 2023.

221 visualizações2 comentários

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2 Comments


The Mcx
The Mcx
Dec 03, 2023

É curioso como se pode enxergar o passado em curta distância hoje em dia, e ainda assim ver coisa antiga.


Outra coisa que me chamou a atenção é que você estava na natureza selvagem e a tecnologia urbana chegou até você e disse: "Ei, vem pra cá. Você está no lugar errado!"

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Marcelo Reul
Marcelo Reul
Nov 17, 2023

Eitaaaaaaaaa professor Thomas

Agora você foi longe de mais!

Além de disque você falou também do "amor de gado", que eu conheço como amô de véi porque só esse matinho é que ainda se agarra nas calças dos véi!

Kkkkkkkk

Obrigado pelo seu convite ao mergulho no passado!

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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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