ABANDONAR SEU PATRIMÔNIO é renegar a sua própria história. É exatamente isso que ocorre com o passar dos anos em Campina Grande-PB. Seu patrimônio vem sendo depredado e a falta de cuidados vem literalmente tombando seus principais monumentos históricos, apagando páginas do passado e ocasionando uma grande dificuldade em se elencar aspectos que identifique a sua população com a cidade, que faça uma ligação da sua história com seu povo. Perambulando pela cidade no decorrer dessa semana, adentrei no espaço da feira central e me deparei com o que restou do “Casino Eldorado”, que na tarde de uma quinta-feira em junho de 2014 perdeu seu telhado, que desabou levando consigo aproximadamente 60% de sua fachada, ferindo duas pessoas.
O Eldorado foi um concorrido lugar de divertimento em épocas de grande prosperidade econômica da cidade que, a época, era a mais populosa da Paraíba. Casa de jogos, diversão e prazer, o Eldorado foi construído no então bairro Chinez pelo comerciante João Veríssimo de Souza com conclusão em 1937. A obra foi projetada pelo arquiteto Isaac Soares em estilo Art déco e tinha em suas dependências suítes para mulheres e dependências para diversão, sobretudo para a contemplação de artistas do cenário nacional e internacional que vinham desfilar suas vozes e performances em seu palco.
Na década de 1940, o modesto serviço de luz de Campina Grande não ultrapassara às 22h, no entanto, o Cassino funcionava a noite inteira com energia de um gerador. “A sala do Show-Room tinha espaço para 36 dançarinas, exibição de artistas e 40 mesas para os espectadores. Nas salas de jogos havia roletas, mesas de ronda (lasquinê), bacará, campistas, espadim e pocker, e um elegante palco para a orquestra” diz Antônio Pereira de Morais em seu livro “Vi, Ouví, Senti” (1985).
Sua inauguração se deu em 1 de julho de 1937 e os artistas que inauguraram o lugar vieram da Rússia: Trótsky and Mary, cujo apresentador oficial foi Catalano, artista do cinema brasileiro. Espaço predominantemente masculino, não raro se via carros estacionados com placas de Natal, Recife, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro, boêmios do Brasil inteiro que sonhavam em conhecer este que era um dos cassinos mais famosos do país, um verdadeiro eldorado.
A prosperidade comercial da cidade através de sua elite algodoeira e agropecuária era exibida com pompa neste espaço lúdico, numa época em que os cabarés recolhiam ares de requinte, beleza e riqueza. Impressiona a quantidade de artistas que se apresentavam no Eldorado, sua banda fixa contava com nada menos que o ‘Rei do Ritmo’ Jackson do Pandeiro, que seria posteriormente conhecido nacionalmente.
Segundo o amigo escritor Noaldo Ribeiro, artistas famosos como: Teda Diamante, Nenen, Sereia Negra (atriz, dançarina do cinema nacional), o casal mexicano Tapia Rubo, que fez sucesso no cinema de Hollywood, Paraguaíta e Clarita Diaz, cantora de tango da Argentina se apresentavam no Eldorado que contava com as damas da noite: Neide, Toinha Moreno, Lourdinha Futebol, Chiquinha Dantas, Chiquinha Moreno, Licor, Mercedes, Maria Garrafada e a Josefa (Zefa) Tributino, que depois viria a arrendar o local, essa que “foi a grande dama da noite dessa cidade”, segundo a escritora Clotilde Tavares.
Desde o período entre 1950-60, quando cerrou suas portas, o Casino Eldorado entrou em processo de ruína e hoje é um dos prédios históricos de Campina Grande que mais sofrem com o abandono. Perdeu suas banheiras, seus adornos, parte de seu mosaico até ver desabar seu telhado levando parte de sua fachada. Displicência dos poderes públicos. Sem empecilhos, consumidores de drogas, pedintes e errantes habitam sazonalmente aquele espaço e durante a noite, dezenas de pessoas pernoitam naquele lugar que hoje possui suas próprias regras, diferente do glamour de outrora. É sabido que várias administrações municipais tentaram a desapropriação e há inclusive uma reforma da tradicional feira de Campina Grande que está em vias de acontecer. Porém, não ocorreu a tempo. O tempo do descaso ganhou e a área hoje está condenada pela defesa civil, escorada com toras de madeira. O monumento só é celebrado nos festejos juninos, com uma réplica em iguais dimensões no Parque do Povo, enquanto o original continua morrendo.
É o patrimônio morrendo junto com nossa história, são páginas de nosso passado que sucumbe ao descaso e ao desconhecimento, é um pouco de nós que se vai. Até quando isso vai ocorrer, até quando?
Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!
Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 3 de setembro de 2022.