Desde meados de março que não temos a graça de passear pela cidade. Como gosto de andar! Sem receio, sem culpa, ver as inesgotáveis faces da urbe; me encanto como o Marcovaldo – do escritor Ítalo Calvino – com as coisas mais simples, plantas nascendo em canteiros, florações de árvores, ninhos de pássaros em postes e cumeeiras de casas; a natureza em sua bela resistência ao concreto e ao asfalto, isso me faz bem. Esse isolamento social é necessário, além do cuidado com a nossa saúde, é questão de consciência e respeito com o outro. Resolvi, então, passear por retratos de minha cidade. Desde 2005 que uso máquina digital, não precisando poupar “poses”. Daí, em meu computador, são milhares...
Saí andando pelo centro de Campina, de mãos dadas comigo mesmo de outras épocas, aquele Thomas me mostrava detalhes da cidade e eu, hoje, tendo a emoção de um filho sendo guiado pelo pai. Mas tantos ângulos poderiam ser melhores... Nada! Birra de adolescente que começa a enxergar defeitos nas atitudes dos pais. Mas ali era o que eu tinha e me deleitei por uma tarde inteira, (re)vendo com cuidado e observando a diferença dos anos de minha cidade nas fotos. Foi quando cheguei a um dos meus lugares favoritos, o Calçadão da Cardoso Vieira, e parece que estava ouvindo a voz de Marcelo: “Olha Thomas, aqui em cima desse prédio era a rádio Borborema. Lembro como hoje, nem existia esse calçadão. Aí desce por essa escada (e eu vidrado na escada do Edifício São Luiz, no atual calçadão, esquina com a Venâncio Neiva) Nelson Gonçalves. Uma multidão na calçada, gente que não pôde ir ao auditório da Rádio Borborema que era no último andar, “tava” eu e Asfora, tomamos uma “lapada” na Flórida, e num é que ele começou a cantar ali, no último degrau. Rapaz, que coisa linda, aquele vozerão sem microfone algum e o povo aplaudindo. Mas como a rua era aberta, tinha que ter cuidado com os carros”. Também fã de Nelson que sou, nunca esqueci daquele relato apaixonado. Então escolhi algumas de suas músicas e passei a ouvir enquanto via e viajava pela história.
Engraçado que o Calçadão foi obra do Prefeito Evaldo Cruz, no tempo em que os políticos viam coisas belas fora e faziam de tudo para trazer para sua cidade, comum de políticos antigos. Em 1975 ele participou de um congresso de prefeitos em Curitiba-PR e andando por lá, conheceu o recém criado Calçadão da Rua XV ou da Rua das Flores, a primeira avenida do país fechada ao trânsito de veículos para o fim de livre circulação de pedestres, isso em 1971; de pronto ele imaginou que seria muito interessante fazer um calçadão em Campina e não teria lugar mais apropriado do que onde ele está hoje. Pegava de uma vez só a movimentação da Sorveteria Flórida (tanto é que foi chamado de Calçadão da Flórida até julho de 1977, quando morreu o jovem Jimmy Oliveira e pela comoção foi posto seu nome) e a entrada principal do Edifício Lucas, inclusive havia uma pequena praça de táxi que protestou com a criação do Calçadão, desalojando-os da frente do prédio.
Em dois de setembro de 1975 é iniciada a obra. Uma maneira de atrair o público a ficar mais tempo no centro da cidade e logo o Calçadão caiu nas graças da população. Tanto é que três meses depois, se podia ler nas páginas do jornal Diário da Borborema: “tradicional local de bate-papos, conversas políticas, transações econômicas, autênticos confessionários público e coletivo de toda a cidade, com seus bancos e apetrechos, o Calçadão é por igual outro elo desse complexo de recreação social de que Campina se utiliza hoje”. É notável como em menos de três meses o lugar se torna tradicional e carrega em seu âmago a sociabilidade que atravessa os tempos. Enivaldo Ribeiro, o prefeito seguinte, amplia o calçadão em 1981, fechando a Maciel Pinheiro e a Venâncio Neiva, transformando o centro comercial em um aprazível e aconchegante passeio público. Quem tiver interesse em conhecer, basta ir ao blog ‘Retalhos Históricos de Campina Grande’, na internet, e ver alguns retratos.
Com o intenso desemprego que assolou o país na década de 1980, o emprego informal cresceu demais e em 1993 o Calçadão volta ao seu tamanho original, depois de ser completamente ocupado por trabalhadores ambulantes. Calçadão da Flórida, do Café São Braz, de Henrique Lanches, dos chaveiros, do saudoso Seu Lourival, de Wellington do Queijo com seus laticínios, do antigo Banco do Povo e depois supermercado Tropeiros; Calçadão dos desportistas, dos políticos, dos artistas de rua, dos músicos, dos engraxates, dos ocupados e dos desocupados, a “Boca Maldita” da cidade, termômetro de popularidade, lugar onde todo mundo se encontra. Ah que saudades do Calçadão!
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