AINDA NO ANO PASSADO, fui procurado pelo pesquisador e amigo Julierme do Nascimento e convidado para integrar o grupo Borborema Cangaço, mais precisamente o seu conselho perpétuo Cristino Pimentel. Entendendo os seus objetivos de fomento à pesquisa do nordeste brasileiro e a discussão sobre o cangaço, de pronto aceitei o desafio com muita honra, pois sei da seriedade e responsabilidade do Julierme na condução do projeto e todo o seu interesse na temática, ele que pesquisa a trajetória de Antônio Silvino, cangaceiro que marcou a história do interior do nordeste, sobretudo da Parahyba, deixando marcas inapagáveis na memória e na história de um sem número de vilas e cidades.
Para Julierme, o motivo principal da criação do grupo ‘Borborema Cangaço’ foi a necessidade de se divulgar as histórias e as rotas do cangaço no compartimento da Borborema e, consequentemente, se fazer notar que houve cangaço além do período “Lampiônico” tendo como base principal o cangaço da época de Manuel Batista de Morais, o Antônio Silvino (conhecido como o rifle de ouro) e o cangaço pós Lampião que ainda perdurou depois de sua morte aqui em nossa região. O diferencial do ‘Borborema Cangaço’ para outros grupos de pesquisa similares “é que o nosso movimento promove outras manifestações culturais de nossa terra, sem esquecer é claro do seu carro-chefe que é o cangaço”.
O primeiro encontro do ‘Conselho perpétuo Cristino Pimentel’ foi no último sábado (27/jan/24) no auditório da OAB (seccional de Campina Grande) localizado no bairro do Catolé. Morando em Bodocongó, tive uma certa dificuldade de chegar no horário, já que o trânsito na cidade anda um caos desde que botaram abaixo o ‘balde do Açude Novo’. Sendo uma área bem central, temos que estar recalculando o tempo inteiro nossas rotas. No entanto, a turbulência tem data para acabar. No São João, a prefeitura já quer utilizar a obra que consiste em integrar o Açude Novo ao Parque do Povo por um túnel, dinamizando o maior evento festivo do estado. Nesse sábado, culminou com as comemorações do centenário da igreja assembleia de Deus e um evento festivo ocorreu no Açude Velho, impedindo o trânsito que já está complicado.
Deixa estar! Pensei. Ao passar pelo umbral da OAB ouço do meu lado a saudação: “Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo”, era o polímata, confrade e amigo Daniel Duarte Pereira com uma bela indumentária em tons terrosos, estava ali o Cariri em seu estado se consagração. Mais alguns passos e vejo Fabiana Agra, Grijalva e Fernando Maracajá; Vandilo Brito, Paulinho de Cabaceiras e tantos outros. Vejo Francisco Almeida, o grande Chicão de São João do Cariri, cujo dom artístico e fotográfico nos (co)move. Uma exposição sua (no hall) exibia pinturas, desenhos, esculturas e cordéis de sua lavra, o que me remeteu a seu quintal de onde podemos pisar e sentir o emblemático Rio Taperoá, pertinho da matriz de N. Sra. dos Milagres, a mãe de nossas terras. Para os iniciados na temática do cangaço, uma série de livros à venda e alguns de seus autores ali presentes.
O encontro teve uma beleza ímpar. O poeta repentista Erasmo Ferreira abriu seu peito e deixou o coração cantar através da viola abraçada. Pérolas do cancioneiro popular nordestino, versos de improviso e tudo o que de melhor teve para abrilhantar aquele momento. Um documentário foi exibido e comentado: ‘A morte das Gameleiras: o cangaço em Serra Redonda’, com texto do historiador Dário Machado Marques; foram apresentados os cordéis: ‘Cristino Pimentel, célebre morador da Cidade de Campina Grande’ (Maria Parahybana); ‘O Ataque de Antônio Silvino à Vila Federal de Cabaceiras’ (Paulinho de Cabaceiras); e os livros: ‘Surrão: O Império do Bacamarte’ (Alexandre Ferreira), ‘1877: 142 anos de História e Genealogia da Família Piancó nas Terras de Pernambuco’ e ‘As Organizações Criminosas e a Complexidade do Tratamento Jurídico, Repressão e Combate no Brasil’ (João Piancó), ‘Ulisses Liberato: Um Cangaceiro a Serviço do Major José Inácio do Barro’ (José Tavares Neto).
No intervalo, enquanto um lanche bem caririzeiro era servido, com muita comida à base de milho, eu conversava com Daniel, Bismarck, Grijalva, Manoel (o figurante Lampião do Auto da Compadecida, que mora no distrito de Ribeira), Carlos José, José Tavares e outros conselheiros; tentava eu fazer com que Paulinho de Cabaceiras cumprisse sua promessa e me desse a chibata/chicote de couro trançado e ponta de cápsula de bala que ele exibia como uma bengala. Lá na velha Timbaúba do Gurjão, no Seminário Cariri Cangaço sobre Antônio Silvino, ele deu a Daniel Duarte e me prometeu uma de presente, reforçando a fala em uma Expocouro lá na Ribeira de Cabaceiras. “Eu vou conseguir pra você Thomas, pode deixar!” Acreditando ou não nesse confrade querido, assisti com entusiasmo uma aula sobre os Cariris Velhos proferida por Daniel Duarte e fui para casa imensamente feliz e contagiado por essa força de valorização de nossa memória e história em tempos ainda difíceis, mas incapaz de calar a nossa cultura.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 03 de fevereiro de 2023.
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