Parei para contemplar os ventos frios e úmidos que há exatamente uma semana sopram por essa Campina, no alto do Planalto da Borborema, anunciando a chegada do inverno. Um finzinho de tarde de segunda-feira pálida e particularmente melancólica para mim. Percorri com os olhos os contornos do Açude de Bodocongó, Monte Santo, Bela Vista, Centenário procurando uma luz que não fosse aquelas dos postes que acabavam de se acender. É véspera de São Pedro! Está acabando a época dos festejos juninos.
Vendo esse cair de tarde, busquei alento nas lembranças. Considero o mês de junho muito especial e marcante, é o fim e início de uma nova era, é a minha festa do ano, meu natal e tem sido assim desde tenra idade. A noite de São Pedro é como uma ruptura e o outro dia, quase um luto pelo fim daquele festejo cheio de sentimento e de amor pelas coisas, pelas pessoas, pela tradição e tudo o que ela vem a simbolizar. Vivi mais uma noite de São João em casa, recluso com a família, mas tem sido assim desde o ano passado e por todo esse cenário de crise pandêmica, não poderia ser diferente. Mas não faltou comida de milho, forró e bandeirolas. Ausentes a fogueira e os fogos, mas buscamos ressignificar o que não podia com o que estava liberado.
No outro dia, feriado, tomamos um animado café-da-manhã com toda culinária junina. Um caldinho de mocotó no cuscuz não foi nada mal e a tradição preservada. São Pedro é o fim da festa, a última fogueira, os últimos estampidos desse cenário mágico de celebração, e não houve festa!
Volto para a contemplação da Campina no vale do Bodocongó e aquele pensamento lá distante, é quando Papai se encosta no parapeito da varanda ao meu lado, parecia que estava ali a ler meus pensamentos: – O que tu tens que estás desse jeito? – Que diferença em Papai? Hoje é véspera de São Pedro, mais uma sem festa. – E amanhã é dia de trabalho! Respondeu. Como que suplicasse um tantinho de reciprocidade: – Eu sei Papai, mas é São Pedro! Depois de um sorriso maroto, ele entrou e me deixou com minhas indagações.
Pego o celular e vejo apontar 18h, ao mesmo tempo que recebo uma mensagem de um querido amigo/irmão, Agenor, que está recluso com sua esposa em um sítio na Zona Rural de Juazeirinho. A distância entre nós ia muito mais que os setenta e tantos quilômetros ou quase uma hora, passava pelos cuidados, o isolamento e os riscos. Não só ele, como eu também sou festeiro, mas durante todos esses meses de pandemia, não temos sequer saído de casa e como ele mora em um sítio afastado da cidade e não iríamos juntar gente, pensei que dava para dar um pulinho lá e aquecer o sentimento, as lembranças e amizade ao redor de uma fogueira. E fui!
Nesse tempo de reclusão quase que total não vi o recapeamento de ruas em São José da Mata, além de um reforço na iluminação. Circulei pelo distrito e vi o mercado reconstruído. Parece que nada parou! E as pessoas nas ruas, muitas, sem máscara. Em Soledade, testemunhei mais um casarão antigo demolido um pouco mais acima da igreja, do outro lado. Não foi só Campina que deixou marcas de seu passado serem levadas. Em Juazeirinho? Praça reformada, asfalto em algumas ruas que não tinha, a praça de entrada bem enfeitada com um letreiro de chita lembrando o tradicional “São Juá”. Rumei certinho para o sítio Colosso, onde a porteira já estava aberta. Uma fogueirona no terreiro com um complemento de lado esperava ser acesa; bandeirinhas na varanda e em uma mesa comprida, típica de fazenda, Agenor estava na pontinha, Dona Corrinha saía pela porta da cozinha. Vi seus sorrisos por trás das máscaras, aqueles olhinhos apertados e cintilantes demonstrando a alegria e hospitalidade que lhes são peculiares. Uma pena não ter aquele abraço, o cheiro na testa, em lugar disso o insosso “bate-cotovelo”.
No som Luiz Gonzaga e o choro de sua “sanfona sentida, sofredora”, e fui encarregado de acender a fogueira, uma honra para jamais olvidar. Um pouco de gás em um chumaço de palha de coqueiro e a chama do fósforo logo virou labaredas. Mais uns galhinhos em cima e tudo pronto. O primeiro estalo da lenha me emocionou. O cheiro de fumaça e tudo clareando em derredor; estiro minhas mãos na busca daquele inconfundível calor. Olho para Agenor o agradecendo e com um gesto ele confirma a singeleza daquele momento ao mesmo tempo tão marcante. Em poucos instantes, a mãe natureza nos dá uma lua minguante que surge baixa no horizonte no giro da fogueira. Enorme, alaranjada, parecia ter se erguido daquele fogo encantado. Incrível!
Conversamos bastante sobre o significado daquilo tudo, o momento em que vivemos e curtimos a noite. Celebrando a vida e com fé em dias bem melhores. Um São Pedro inesquecível! Simples e inesperado.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 03 de julho de 2021.
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