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TURISMO & HISTÓRIA

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Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

Antigos jardins

Manjericão e Capim Santo desses jardins de Bodocongó - Santo da Terra

VOLTANDO DO TRABALHO para o almoço em casa, vejo na minha rua – antes na terra, hoje calçada em pedras – uns dez carros descansando em frente à residência de seus donos e não enxerguei “um pé de gente”. Preferia o tempo em que ao invés de veículos, via meninos e meninas correndo de um lado para o outro, enfeitando as calçadas com vida, beleza inconteste da qual sinto uma saudade tão grande que marejam meus olhos, até porque eu era uma daquelas crianças que bailavam com o vento, correndo atrás de bola “dente-de-leite”, disputando pião no chão e pipa no céu. Pertinho de casa vi que mais um jardim foi cimentado e transformado em garagem. Fiquei a refletir.


Desde quando os primeiros automóveis foram fabricados que uma parcela significativa da sociedade almejou a posse, inclusive até o presente a ostentação é evidente entre os mais abastados que de uma certa maneira medem suas fortunas pelos veículos que possuem, na maioria deles visando não o luxo e conforto e sim sua faceta esportiva. Possuir um veículo, por muito tempo, era para poucos e hoje com o acesso massificado, é difícil não ver alguém “fazendo das tripas coração” em financiamentos para ter um veículo popular em sua garagem. E o que fazer em bairros populares com casas construídas com jardim e terraço sem a aspiração de um carro? A resposta é clara e ao mesmo tempo triste, é a eliminação dessas áreas em prol da construção de um abrigo para estes utilitários.


Lembro demais que nossa rua era repleta de jardins, das flores mais majestosas, de roseiras cheirosas até as simples florzinhas, malvas, jasmins cheirosos e toda sorte de plantas recolhidas nas entradas das residências, entrar na casa de determinadas pessoas era o mesmo que ser imerso em uma pequena floresta de cheiros, aromas, sabores. A nossa vizinha Dona Anália tinha uma pequena horta e também uma pharmácia viva. Além do coentro, alface e pimentão plantados, recolhia um pé de romã e brigava com quem pegasse e não pedisse a ela, lógica de todas as vizinhas que muitas vezes se sentiam invadidas pelos guris da rua. Ainda em seu jardim tínhamos capim santo, hortelã e cidreira. Quase defronte, em Dona Normanda (que foi presidente algumas vezes da SAB – Sociedade de Amigos de Bairro) tinha uns dois pés de pinhão roxo, que segundos os antigos livravam do mau olhado ou do olho gordo. Não sei que planta era que tinha em seu jardim, o que me recordo é que possuía folhas verdes tipo uma avenca, no entanto, ofertava uma bolinha preta caspenta que a gurizada costumava brincar com elas atirando-as uns aos outros.


A Rua antes e depois de receber calçamento em julho de 2010. Antes reinado das crianças, hoje dos carros - TB

Mais embaixo, Dona Alice tinha erva doce, capim limão e a erva para curar febre, a colônia, que um vizinho surrupiava à noite para fumá-la. Pensava eu que aqueles cigarrinhos de colônia aliviavam o frio em noites escuras, pois só se podiam colher sem a força da lua. Mãe D’Alina tinha pitanga, couve e uma série de plantas. Um de seus netos, que não está mais entre nós, plantou um pezinho da ‘canabis’ em meio às ervas santas até ser descoberto e o que ainda estava no jardim foi destruído. A mãe do meu amigo Joel tinha em seu jardim erva cidreira, capim santo, sabugueira e também umas florzinhas no canto do muro.


Já a rezadeira Dona Zefinha de Seu Joaquim da barraca cultivava em seu jardim a arruda, marmeleiro, pinhão roxo e toda sorte de plantas que murchavam com o mau olhado eliminados por ela em suas rezas. Engraçado é que Dona Alice encomendava aos meninos uma “ruma” de mato verde que dava uma florzinha pequenininha azul ou roxa, em troca ela adocicava a boca dos meninos com os dindins que fazia de menta, manga, coco e sucos em pó, que no tempo eram os ‘ki-sucos’ e seus sabores artificiais que a criançada não queria nem saber a origem, se fazia bem ou mal. E o mato? Servia de cama para suas galinhas.

Destaque de capa no Jornal A União

A Dona Anália que falei teve um filho que é hoje reconhecido raizeiro, Santos virou ‘Santo da terra’ com chancela nacional reconhecida em 2012. Hoje vive a se dedicar a revitalização de antigos jardins e suas ervas santas. Engraçado é que sua avó já nas bordas da mata de dona Merquinha (Dinamérica Alves Correia) medicava o povo com o que ali existia. Quando não encontrava o que queria, pedia a algum agricultor daquelas bandas que trouxesse determinada casca de pau para a cura de seus doentes.


A sociabilidade entre vizinhos na época era algo tão natural, a boa vontade em ter em seu jardim as ervas e doar para quem estava precisando era algo comovente. Hoje esses espaços jazem em calçamentos, vez ou outra brotando no cantinho do muro como a nos lembrar o que aquele lugar sempre foi, hoje transformado em garagem, outrora um lindo jardim.


Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!


Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 22 de junho de 2024.

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6 Comments


Marcelo Reul
Marcelo Reul
Sep 14

Rapaz!

Eu nunca havia visto por este ângulo; os jardins se transformando em garagem, e o que era farmácia verde, passa a ser um calçamento coberto com mosaico de cerâmica e porcelanato. É mais um motivo para eu sentir saudades do meu tempo.


Obrigado professor Thomas!

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Thomas Bruno Oliveira
Thomas Bruno Oliveira
Sep 14
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É a mais pura verdade. Esses jardins enfeitavam nossa infância. florzinhas cheirosas, mato, minhocas, alegria. Tudo agora jaz por baixo de concreto e, como lembrança, nos cantinhos, as plantinhas insistem em crescer...

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paulopaulo13oliveira
paulopaulo13oliveira
Sep 09

Quanta poesia numa simples explanação da mudança de jardins para garagens hoje em dia, você descreve com uma maestria fatos do cotidiano de um passado não muito distante, que nos fazem refletir sobre a interatividade entre vizinhos que hoje é raro de se ver. Tempos bons, onde as casas de alguns vizinhos mais chegados, era como se fosse extensão de nossas casas!!!

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Thomas Bruno Oliveira
Thomas Bruno Oliveira
Sep 09
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E a sensação é essa mesmo, extensão de nossos lares...


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The Mcx
The Mcx
Sep 09

Eita que agora eu viajei para o jardim da casa da minha avó, em São Gonçalo, nas décadas de 80 e 90, e que não existe mais porque virou garagem.

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Thomas Bruno Oliveira
Thomas Bruno Oliveira
Sep 09
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Pois é amigo, espaços mágicos que perderam o lugar para os veículos, uma pena...

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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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