Para Thélio Farias
UMA DAS ESQUINAS mais belas do Recife velho de Gilberto Freyre, o encantador Recife antigo, é composta pelo encontro da avenida Rio Branco com a magnífica Rua do Bom Jesus, considerada a terceira mais bela do mundo, segundo a revista estadunidense Architectural Digest em 2020. Foi justamente ali que entre os dias 21 e 25 de setembro de 22 houve a sexta edição da Feira Nordestina do Livro, a Fenelivro. Na Rio Branco, chamada de Boulevard, estava a espinha dorsal do evento com quiosques, tendas, café e stands que abrigaram editoras, livrarias, artesanato e, inclusive, um apertado, aconchegante e concorrido sebo de livros e LP’s. Nas esquinas que se seguiam, palcos e outras estruturas da feira eram vigiadas pelos silenciosos sobrados que ao mesmo tempo em que ofertavam uma generosa sombra, espiavam a Praça do marco-zero. Recife uma pequena ilha, além do Capibaribe, outrora subordinada a Olinda, e hoje rainha de uma imensa zona metropolitana com suas pontes e seu charme.
A Fenelivro é um grito de resistência de escritores, leitores; de gente envolvida com a alma existencial do nosso povo, que se dedica ao fomento da escrita, das artes, de uma maneira tão ampla e complexa que é capaz de englobar as mais diferentes tendências, anseios, vontades, abrindo um cenário cultural que pulsa em suas mais variadas facetas. O livro, é um “pre-texto” para a existência de um evento tão grandioso e muito bem organizado.
Parti do meu lugar, a Campina Grande que no alto da Borborema tem que aprender algumas coisas, apesar de seu pioneirismo. Fui com o poeta José Edmilson Rodrigues, grande intelectual que com toda sua sensibilidade, foi o controlista musical de nossa rádio particular, elencando páginas musicais e também históricas em um misto de aula-magna e sensações espirituais. Nessa viagem especial, emoldurada não só pelas BR’s 230 e 101, mas pelas belezas que a primavera já nos anunciava. Ipês rosa, amarelo e tantas outras florações que irrompiam em meio a um verde nem tão resistente assim.
Comecinho da tarde do sábado(24), depois da caseira comida do “Delícias da roça”, em Igarassu(çú), seguimos observando não mais o trânsito, mas os “morros malvestidos”, como já cantou Nelson Gonçalves. Aquele imbricado de construções aproveitando o mínimo de terreno, desafiava nossa atenção formando gigantes aglomerados, pintando todo o terreno com cores de simplicidade e pobreza, acentuada pela indecência dos governantes. A frenética Avenida Norte, nos levou à pequena ilha, o bairro do Recife, imprensado entre o cais do Apolo e o cais do Porto (como ela pode ter sido só aquilo? Mas foi). A arquitetura das cercanias mistura construções coloniais em abandono com outras inteiramente restauradas como a sede do Museu Cais do Sertão, o Polo Digital, fundações e casas de memória, uma nova ocupação espacial de uma região que já esteve quase deserta e vem sendo revalorizada, assim como ocorre na zona portuária do Rio de Janeiro.
Me encantei com a Rio Branco. Meu amigo Taney Farias disse que a rua foi interditada para o trânsito, virou um calçadão e em um dos mais belos lugares do centro antigo, místico e velho do Recife. Ali encontrei meu querido Thélio Farias e, me permitam fazer reverência ao seu Pai, Leidson Farias, com quem primeiro me acheguei lá em Serra Branca-PB, sua terra natal e minha por generosidade do povo e da câmara municipal. Pois bem, Thélio foi lançar “Além do Ipiranga: a extraordinária vida de Pedro Américo e suas incríveis facetas”, uma reveladora biografia desse grande parahybano, obra abraçada pelas grandes editoras Cepe e A União, celebrando um congraçamento das províncias vizinhas da Parahyba e Pernambuco. Antes do lançamento ao ar livre, prestigiamos uma verdadeira procissão de animados homens e mulheres tocando e dançando frevo e maracatu com seus tambores e metais. Saudades de Olinda!
Juntos a o nosso confrade Thélio, seus irmãos Taney e Talden, além de sobrinhos, amigos, intelectuais do Instituto Arqueológico e Histórico e da Academia de Letras, pude presenciar um lançamento especial com a competente recepção do Ricardo Melo. Iniciando seu irretocável e “improvisado” discurso, o autor fez um brilhante paralelo entre a Parahyba e Pernambuco com sua umbilical ligação através de vários intelectuais de lá e de cá que transitaram nesse território quase sem fronteira. De Vidal de Negreiros a Epitácio Pessoa, de João Câmara a Ariano Suassuna (o mais pernambucano dos parahybanos, com bem afirmou), dentre muitos outros, inclusive o próprio biografado.
No transcorrer do discurso, a mística do movimento armorial do genial Ariano esteve em cada palavra, assim como o próprio filho do mestre Ariano, o artista Manuel Dantas Suassuna, prestigiosa presença e amizade com o autor. Ao fim do evento, a movimentada sessão de autógrafos foi no stand da Cepe, justamente na esquina mais bela. Do lado de fora, enquanto via aquele congraçamento de amigos e familiares, em silêncio, contemplava o ocaso e o “noturno pecado” do poeta Carlos Pena Filho.
Veja também a crônica 'Festa de padroeira' no link
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 1 de outubro de 2022.
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